Os economistas, por eles mesmos

Postado originalmente na Uol em 2/01/2012

Quando educadores profissionais criticam economistas que se metem a “consertar a educação”, não são ouvidos pois são considerados “pouco objetivos”, “não qualificados para o debate”, não dominam as “matemáticas” e as “estatísticas”. Há um pensamento único formado que coloca os economistas como detentores de um saber raro e poderoso. A realidade é passível de ser modelada e os efeitos cruciais da realidade, dependem da identificação das causas a eles associadas. Tudo isso é possível, se detivermos conhecimento adequado, ou seja, o conhecimento dos economistas e estatísticos.

Mas, e quando economistas criticam os próprios economistas? Aí muda de figura. E quando economistas como Delfin Neto ou Luiz Carlos Bresser Pereira, que não são quaisquer economistas, criticam os seus pares? Bem, aí a situação fica bem mais confortável para os educadores profissionais, pois seus argumentos são utilizados por pares de economistas que detêm, portanto, o supremo saber da economia.

É o que acontece hoje – 02-01-2012 – na Folha de São Paulo, onde Luiz Carlos Bresser Pereira examina criticamente “o poder dos economistas”. Nós bem conhecemos, na área educacional, tal poder. Eles têm-se convertido em Secretários da Educação com a promessa de “reformar os processos educacionais e promover o avanço da educação”. Ministros da Educação não faltam – do atual até Paulo Renato C. Souza. Estiveram na presidência do INEP também – e em tantos outros lugares educacionais. Nos Estados Unidos é uma prática recorrente.

Como funciona o argumento econômico? O artigo a que me referi mostra muito bem. Cito trechos dele.

“Dani Rodrik informou em artigo recente (publicado no “Valor”, 19-dez-2011) que um grupo de estudantes abandonou o curso de seu colega na Harvard University Greg Mankiw, protestando contra o fato de que “o curso propaga ideologia conservadora disfarçada de ciência econômica e ajuda a perpetuar a desigualdade social”.”

Ainda bem que mais gente percebeu, além dos educadores profissionais. Esta é a questão central. Não se trata de não querer utilizar as técnicas macroeconômicas, ou considerá-la “persona não grata” na educação. A questão é que tais técnicas entram na educação a serviço de ideologias conservadoras, autodenominando-se “não ideológicas” ou “objetivas”. A coisa é tão descarada que até os economistas profissionais perceberam.

Na educação não é diferente. Mas o que mais chama a atenção no caso da crítica de Luiz Carlos Bresser Pereira é que ele identifica também a “arrogância” destes senhores no processo de “imposição” de suas técnicas e interpretações. Diz o autor:

“Essa teoria econômica matemática que se ensina nas grandes universidades, baseada nos pressupostos do “homo economicus” e das expectativas racionais e no modelo do equilíbrio geral é essencialmente falsa, porque usa o método hipotético dedutivo e porque adota como critério de verdade a coerência lógica, não a conformidade com a realidade.”

Fantástica, a crítica. Para autor, entretanto, isso não ocorre por engano, mas por arrogância matemática. Tal arrogância permite o monopólio do saber pois desejam ensinar que os sistemas são autorregulados e portanto, basta “corrigir suas falhas”.

Quem não percebeu isso no debate sobre o uso da Teoria da Resposta ao Item (TRI), uma tecnologia mantida a sete chaves por prestadoras de serviços de avaliação. Chega-se a argumentar com ela perante o Ministério Público, como se este não pudesse questioná-la, como se fôsse uma questão de falta de compreensão dos métodos matemáticos pelo Ministério Público.

Outra não é a realidade de estatísticos que insistem, no Brasil, em adotar o pagamento por bônus nas escolas. Acreditam que seu saber superior necessita apenas de algumas correções e, pronto, a educação será “consertada” com sua sabedoria. Se os alunos não comparecem no dia da prova, dê zero para o aluno. Isso impedirá que o diretor mande os maus alunos ficarem em casa. Se o bônus não funciona individualmente para um professor, dê o bônus para toda a escola, isso motivará mais. Ou diferencie o bônus levando em conta o nível sócio-econômico dos alunos da escola. Pronto. É uma questão de ajuste. Não funcionou em Nova York porque não souberam fazer. O professor da escola pública é essencialmente preguiçoso e com algumas técnicas conseguiremos fazê-los trabalhar adequadamente, pensam. Tudo em nome da criança que não aprende, em especial da criança pobre.

E, note, há gente boa caindo no conto do “conhecimento matemático” e agrego, “estatístico” superior.

Nada contra o convívio com os economistas e estatísticos, diga-se ao final. Mas tudo contra a colocação das técnicas quantitativas a serviço do conservadorismo e de propostas ideológicas e pedagógicas fracassadas. O aprisionamento da área da avaliação por estas formas de pensar promoverá um grande dano à educação brasileira.

Avatar de Desconhecido

About Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
Esta entrada foi publicada em Assuntos gerais, Meritocracia, Postagens antigas da UOL, Responsabilização/accountability. Adicione o link permanente aos seus favoritos.

Deixe um comentário