Rui Castro, governador da Bahia, quer que o PT remodele seu programa em direção ao centro. Ele deveria por atenção nas eleições inglesas.
As eleições inglesas desta semana, consagraram o populismo nacionalista de Boris Johnson de forma inequívoca.
Como em outras partes do mundo, o fracasso das teses neoliberais e do liberalismo centrista abriu caminho para o populismo nacionalista de Johnson, mobilizando uma massa de insatisfeitos com a política e desejosa de que algum líder tome medidas em sua defesa.
Nas eleições desta semana, a esquerda inglesa tentou colocar-se contra o brexit e contra a austeridade econômica.
O programa trabalhista até poderia ser visto como um radicalismo desnecessário, mas o fracasso trabalhista nestas eleições não é produto de seu eventual radicalismo, mas, pelo oposto, é produto da trajetória centrista nada radical da “terceira via” de Tony Blair que, quando no poder, contemporizou com as teses neoliberais à moda Clinton e Obama. Nos Estados Unidos isso levou a Trump, e na Inglaterra a Johnson.
A terceira via não resolveu problemas importantes da população inglesa – da mesma forma que os conservadores neoliberais também não.
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Então, o conservadorismo populista de Johnson soou como uma esperança para a população mais pobre que deixou o trabalhismo em busca de algo mais definido. O programa de Boris Johnson promete mais investimentos em saúde, educação e segurança – além da saída da ordem neoliberal europeia com o brexit. Neste sentido, a vitória de Johnson é, em igual proporção, uma vitória dos anti-globalistas e anti-neoliberais – em linha com Trump.
O trabalhismo ingles tem uma história de meias palavras vazias ligadas à terceira via que, associada à recusa do brexit, já não colava mais. Neste sentido, pode-se dizer que a esquerda inglesa pecou por falta de radicalidade.
No entanto, a defesa de uma esquerda que se posicione à esquerda e não ao centro, vai na contramão de certas recomendações que circulam na esquerda brasileira pedindo, por exemplo, que Lula “pacifique o pais” e que o PT ajuste seu discurso para aceitar o privatismo, como é o caso de Rui Costa, governador da Bahia, em entrevista à Folha de São Paulo.
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É verdade que, com isso, pode-se não ganhar eleições. Mas não devemos colocar como meta central administrar o trem desgovernado do capitalismo. É preferível manter um discurso franco na esquerda e reconstruir uma credibilidade abalada neste momento, do que descaracterizar seu discurso com o objetivo de ganhar eleições, enfraquecendo suas teses.
Os bombeiros neoliberais se tornaram parte do problema do capitalismo e logo mais, como na Inglaterra ou nos Estados Unidos, estarão desacreditados por aqui também. Isso, no entanto, poderá fortalecer o discurso dos conservadores populistas, principalmente se a esquerda correr em direção ao centro descaracterizando suas propostas – sem se distinguir. O centro político brasileiro implodiu nas últimas eleições.
São as contradições sociais do capitalismo que fazem com que a esquerda sempre se revigore e renasça mais forte e não o discurso de centro, principalmente em um quadro de crise sistêmica do capitalismo.
O sistema não cairá apenas pela ação da esquerda, ainda que isso conte. Ele cairá sob o peso de suas contradições. Nisso não há nenhum fatalismo, já que é exatamente por isso que a ação humana se torna mais importante ainda, de forma a se construir um novo sistema social mais democrático e mais igualitário – pós-capitalista.
Neste quadro, as eleições inglesas sugerem que a esquerda não pode desgastar-se com discursos centristas adocicados e inconsequentes que, a exemplo da Terceira Via trabalhista inglesa, não conduzem a pautar mudanças efetivas para a população – mesmo que isso signifique perder eleições no curto prazo, construindo, porém, maior credibilidade futura, à medida que o agravamento das contradições sociais se imponha ante o populismo e o neoliberalismo.
É fundamental, neste momento, mais do que ganhar eleições, o trabalho de base, a luta de ideias que forma e esclarece – é preciso falar direta e francamente com a juventude, construindo uma ampla frente anti-capitalista (o que é mais exigente do que uma frente ampla centrista).
Caro professor Luiz, bom dia!
Com todo o respeito, não é uma estratégia um tanto quanto “desumana” abrir mão de eventualmente ganhar eleições a curto prazo, para que “o agravamento das contradições sociais se imponha ante o populismo e o neoliberalismo.” ? A população carente não pode ficar esperando a Esquerda voltar triunfante ao poder, quando então já não houver mais nada pra ser remediado…
Um abraço,
Daniel Soler
Prezado professor, se pudermos fazer as duas coisas, nada contra, desde que não repitamos o que ocorreu nos últimos 15 anos, ou seja, fomos administrar o sistema e deixamos de trabalhar na base.
Enquanto isso a direita e ramificações através de cursinhos de Olavos e Institutos trabalhou consistentemente sua base social e criou militância. A questao é como fazer as duas coisas num quadro em que a direita perdeu a vergonha de produzir golpes. Abraço. Luiz
Caro Prof. Luiz,
Respeitosas saudações!
Concordo com vários posicionamentos de vosso texto, mas data venia, sou contrário à vinculação da redução da desigualdade a um sistema gerido pela esquerda e, ou pela direita.
Entendo que infelizmente no Brasil não há esquerda nem direita, mas há a situação, de modo que esta fará tudo pelos seus interesses e pelo seu grupo. O povo nunca esteve e, não vejo perspectivas em um curto horizonte de estar no cerne do pensamento político brasileiro.
O populismo, neoliberalismo, socialismo ou qualquer outra corrente sofre deturpações pelos políticos nacionais, de forma que atendam às suas próprias políticas e anseios.
A minha esperança é que o cidadão comum canse deste jogo de interesses, resolva por si agir e mitigar as mazelas da parcela mais carente, não acredito em nada mais que isto, o povo agindo pelo povo e para o povo.
Perdoe o desabafo.
Cordialmente,
Flávio