O novo MEC e o ‘milagre do Acre’

Postado originalmente na Uol em 9/02/2012

Nas últimas duas postagens apresentei como pensa Binho Marques, da atual SASE/MEC. A SASE é responsável por apoiar o desenvolvimento de ações para criação de um sistema nacional de educação. Por isso, é um local importante do ponto de vista da indução da política do MEC. Não se espera que ele repita o “milagre do Acre”, pois os sistemas são de propriedade dos Estados e Municípios. Mas, os conceitos defendidos por Binho podem vir a orientar políticas de indução e de reforço à responsabilização verticalizada, à meritocracia e privatização no sistema. Os Estados Unidos pagaram um preço elevado por acreditar que Bush, quando era governador do Texas, tinha feito um “milagre” idêntico. Posteriormente, os estudos mostraram que isso não era realidade. Mas, o tal “milagre” já havia sido usado para fundamentar a aprovação da Lei de Responsabilidade Educacional americana em 2001.

Várias das ideias apresentadas por ele, em recente entrevista no final do ano passado e que resumi nas postagens anteriores, são simpáticas ao senso comum. Quem pode ser contra melhorar os índices nas provas, ser contra colocar o aluno no centro das preocupações, enfrentar oligarquias, privilégios, etc. Parecem propostas razoáveis aos olhos do senso comum. E nisso reside seu perigo. Fazem crer que “nota alta” em testes é igual a qualidade em educação. Que o problema da educação está no corporativismo do sindicato ou na inapetência administrativa da academia, como se coubesse a ela cuidar dos problemas da rede de ensino. A academia é local de produção de conhecimento e isso não se faz sem a crítica. Também Paulo Renato (e sua turma), um dos mestres confesso de Binho, reclamava da academia e dos cursos de Pedagogia. Também ele reclamava dos sindicatos. Foi até elogiado pela “The Economist” por isso. Por fim, Binho estabelece relações causais não demonstradas entre a sua política e os resultados melhores nos testes do Acre.

No Acre, os profissionais mais experientes da rede foram tratados a pão e água, sem aumento de salários, tiveram os mesmos achatados, em nome de fortalecer o salário dos que estavam iniciando a carreira – uma hábil manobra para dividir o magistério.

De imediato, devo dizer que não há nenhum conflito entre o que ele pensa e o que pensa o Movimento Todos pela Educação. Mais, o que ele propõe é uma base sobre a qual se pode alojar as concepções mais exigentes ainda deste Movimento. Qual a diferença entre Movimento Todos pela Educação e o Pacto pela Educação que Binho fez no Acre ou que o Ministro Mercadante quer fazer agora no MEC? Nenhuma.

Binho, aliás, foi escolhido por ter conduzido seu Pacto Estadual pela Educação e por ter se dado bem com os números, ou seja, o Acre avançou para a média nacional no desempenho da Prova Brasil. Tem portanto, a cobertura dos números e a cobertura ideológica que necessita do Todos pela Educação, para não falar da cobertura institucional que receberá do ministério e do próprio Presidente do Movimento Todos pela Educação, Gerdau, que administra ao lado de Dilma.

Mas há mais problemas. Primeiro, retirar uma rede estadual do fundo do poço pode ser feito com algumas canetadas e pressões administrativas. Como ele mesmo admite, assumiu a educação no seu estado quando ela estava no fundo do poço. É sabido que redes muito desestruturadas reagem bem a canetadas gerencialistas, aumento de investimentos, etc. A questão vem depois, quando, já minimamente estruturadas, os avanços tornam-se mais difíceis, até pelo esforço que envolvem. Somente estudos de longo prazo esclarecem estas questões.

Uma noção canhestra de autonomia – autonomia para fazer o que o centro do poder quer – foi posta em marcha no Acre. Processos verticalizados de comando retiram o protagonismo da escola. O processo didático – ou como ele diz, a “sequencia didática”, é definida pela Secretaria, fazendo do professor um mero seguidor de instruções. Um “big brother do bem” como reconhece Binho em sua entrevista. Vencida a fase inicial da canetada, a rede encontra-se frente a desafios novos com uma escola fraca para dar conta da nova tarefa. É neste ponto que tais reformas costumam aumentar a pressão, pois não podem contar com as forças internas da escola. A padronização e o controle, então, encontram seu limite.

Recente relato revela que as escolas no Acre padecem dos problemas engendrados pelo gerencialismo:

“De um lado, há escolas que buscam melhorar o desempenho dos alunos, envidando todos os esforços para as ações pedagógicas sobressaírem-se sempre. Nessas foram criados grupos sistemáticos de estudo, há rotinas de planejamento coletivo, são postas em prática ações sugeridas em formações continuadas, ocorrem reuniões sistemáticas com os pais, há participação da comunidade em ações coletivas, há diálogo aberto com os alunos e, principalmente, nelas há uma equipe que acredita que é possível desenvolver nos alunos da rede pública capacidades leitores e escritoras.

De outro, porém, há as que tratam a meta como um cumprimento de ordem que a qualquer custo deve ser obtida. Para isso, usam de artifícios e estratégias que, se não observadas amiúde pela SEE, cometem o absurdo de convidar para vir à escola no dia de realização da prova, por exemplo, somente alunos que demonstram ter bom desempenho em todas as disciplinas. Há também as que tentam fazer seleção na matrícula dentre outras tantas anormalidades, descaracterizando assim o resultado, o perfil da turma, a qual, vale a pena não esquecer, estuda na escola pública com direito constitucional garantido. Em escolas com equipes gestoras com esse perfil, em período próximo à aplicação da Prova Brasil/Saeb, frequentemente as aulas são interrompidas por vezes sem o devido esclarecimento aos alunos e cedem espaços a simulados com questões que beiram a proximidade de um curso pré-vestibular, no caso uma pré-Prova Brasil, há “aulões” para os alunos aprenderem a ler e a resolver as questões das avaliações a que serão submetidos, de forma completamente descontextualizada do ritmo natural da sala.” (Cavalcante, 2011).

Não é diferente em São Paulo onde o gerencialismo do PSDB impera há quase 20 anos. Note-se, no relato acima, as relações entre escolas se materializando nos processos de matrícula, no conjunto do sistema, criando novas formas de aprofundamento da desigualdade. Tais relações precisam ser investigadas em estudos específicos e com certa duração, antes de se “cantar vitória” e antes de servir de modelo para outros.

Segundo, pressionar o sindicato local no Acre ou a intelectualidade acadêmica do Acre a aceitar suas teses é bem mais fácil do que lidar com sindicatos nacionais (pelo menos deveria ser…) e com a própria intelectualidade acadêmica. No Acre foi fácil. Binho decretou que o sindicato era corporativo e que a academia era desinteressada. Através de um processo de desqualificação, resolveu o problema.

Claro que a CNTE e as entidades acadêmicas como Anped, Anpae, Anfope e Cedes para falar de algumas, não estão em rota de enfrentamento com o MEC. Além disso, temos o pessoal da comissão de frente do MEC que faz o meio de campo. Mas, há limites para estirar a corda. As próprias entidades ficarão expostas se passarem de certos limites. CNTE já reage ao Pronatec, por exemplo. Pode ser que estas entidades continuem a organizar seus congressos anuais, como sempre, ou pode ser que resolvam fazer análise política ao vivo e não a posteriori. Se o caminho for este, vai haver problemas.

Terceiro, há o tabuleiro político e o jogo de curto prazo. Na Secretaria de Educação Binho era senhor das decisões, com respaldo ilimitado do Prefeito e do Governador. Mas note, perdeu a eleição seguinte. Saiu-se melhor no governo do Estado. Mas, Dilma é movida a noticiário. Não vai querer estar na mídia a não ser de forma positiva. Mercadante está em campanha para Governador do Estado de SP e ele mesmo, Binho, deve estar pensando no Senado. O MEC tem 2012 e 2013 para mostrar resultados, um tempo exíguo em matéria de educação. Se quiser garantir resultados, terá que ser incisivo na política, ou seja, usar indução pesada – a la Obama. Isso pode gerar reações adversas nos Estados.

Por mais que o pragmatismo Mercadante/Binho/Calegari e a noção de Pacto mascarem as diferenças ideológicas, os processos eleitorais começam a ser jogados muito cedo no país. Em boa parte, o sucesso da estratégia dependerá de se criar, como ocorreu nos Estados Unidos em 2001, um campo suprapartidário que permita a todos os partidos auferirem ganhos eleitorais. Não sei se o processo político atual permitirá tal situação.

Note-se o que ocorreu com a privatização dos aeroportos. O PSDB já está em campanha explorando o fato. Senadores do PT no senado tentam explicar que concessão não é o mesmo que privatização, o que é mais ou menos como tentar explicar que tomada não é focinho de porco… quando ninguém pode admitir. FHC já entrou com a formulação de que “privatização” é uma questão de eficiência, portanto, suprapartidária e não ideológica, diz ele. Mas note que isso ocorre não para apoiar o PT mas para dizer que eles estão fazendo o programa do PSDB. E estão mesmo. Logo assistiremos o mesmo em educação.

Enfim, na minha forma de ver, só nos resta a oposição ao governo Dilma, como antecipei há alguns meses atrás. No âmbito do MEC a batalha foi perdida e é muito difícil justificar-se, hoje, um luta “por dentro”. Não há mais “brechas” como na “era Haddad”. A agenda educacional passa a ser definida pela ideologia dos reformadores empresariais da educação. A questão que se coloca, para quem pensa desta forma, é em quem apoiar-se partidariamente, face ao quadro atual. Mas, tenho para mim que dano maior faremos ao país mantendo sucessivos governos tipo “faz de conta”. Já fomos suficientemente pacientes com o PT.

Primeiro, confiamos que, na saída da ditadura, governos do PMDB poderiam levar a cabo a tarefa de reconstruir a educação numa perspectiva de formação humana. Quem não se lembra das expectativas com o Governo Franco Montoro em SP. Não deu. Depois veio o PT. Deu no que deu… oportunismo ideológico, pragmatismo.

Mas, penso que à medida que os “Mercadantes” e “Binhos” vão emergindo neste cenário, com sua arrogância política, cada vez mais se descuidarão, abrindo perspectivas para sua própria superação. Vai depender de todos nós.

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About Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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