Postado originalmente na Uol em 12/12/2010
Leio, hoje, na Folha, as recomendações de Dimenstein: “Uma das experiências mais polêmicas da atualidade em educação são as chamadas escolas “charter”, desenvolvidas nos Estados Unidos. A escola pública é gerida, com autonomia, por associações comunitárias, cujo contrato depende do desempenho dos alunos. Acaba de sair um relato em português sobre a experiência, produzido pelo Instituto Braudel em parceria com a Fundação Itaú Social. Para quem se interessa pelo ensino, é leitura obrigatória.
É um relatório sobre a privataria em Pernambuco, Brasil, que diga-se de passagem ficou em décimo sexto lugar no ranking das notas nacionais no PISA 2009, tendo como parceiros Tocantins e Amapá.
O autor da recomendação não inclui os relatórios americanos que apontam que as charter não têm desempenho significavamente melhor que as escolas públicas americanas. Pode-se ver isso aqui, aqui, aqui, aqui. Este último estudo diz:
“Our national pooled analysis reveals, on the whole, a slightly negative picture of average charter school performance nationwide. On average, charter school students can expect to see their academic growth be somewhat lower than their traditional public school peers, though the absolute differences are small. Charter students trail the academic growth of TPS students by .01 standard deviations in reading, and by .03 standard deviations in math. Though small, these effects are statistically significant. These findings hold for students across the board of initial starting scores, except for students in the lowest and highest starting deciles in reading.”
Sabe-se que as “charter” drenam os melhores e mais motivados estudantes das escolas públicas deixando estas com os não educáveis, uma verdadeira guetorização da escola americana.
Mas o curioso é que venha sugerir remédios para a escola pública brasileira a partir de medidas tomadas por um país, os Estados Unidos, que não avançam no PISA há pelo menos uma década. Mais ainda, nos exames internos os americanos estão pior do que estavam no passado, antes das charters e da privataria geral do Bush.
O autor remete para um texto da Fundação Itau Social. Apenas para se ter uma ideia, reproduzo abaixo um exemplo do que se encontra neste relatório:
“As escolas charter não têm que selecionar um diretor que esteja certificado pelo Estado e pela Secretaria de Educação de Chicago. Elas podem escolher um empresário ou um professor bem-sucedido para ser seu diretor. Essa autonomia faz com que talentos diferentes possam se envolver na educação pública… Há maior flexibilidade para contratar professores também.
Nós temos um astrofísico que trabalhava na Nasa e agora ensina em uma de nossas escolas charter. Ele não tem certificação como professor, mas quem pode dizer que não conhece a disciplina que ensina? (…) Outro tipo de autonomia importante que as charters têm é na gestão e captação de recursos financeiros. Nós temos uma escola que dá prioridade à saúde e bem-estar e, por isso, contratou uma professora para dar aulas de ioga na escola… Cada escola decide como gastar seus recursos.” Jaime Guzman, Secretaria de Educação de Chicago, 2009.”
Leia mais aqui: http://catracalivre.folha.uol.com.br/wp-content/uploads/2010/12/Miolo.pdf
E este é o modelo que Dimenstein sugere. Note que ele chega a este modelo depois de dar o exemplo de uma escola que foi “adotada” por um jardineiro que resolveu dedicar parte da vida dele a cuidar da escola. Despertou-se assim a participação da comunidade e é claro da iniciativa privada que então conseguiu melhoria generalizada nas notas dos alunos.
Para Dimenstein “educar é algo muito complexo para ficar apenas dentro dos muros da escola”: leia-se, para ficar só com o setor público. A mesma conversa fiada é vista nos Estados Unidos em relação à comunidade. Desde os anos 20 a comunidade é envolvida com a educação, mas quem da comunidade? Empresários, homens de negócio interessados no mercado educacional. É desta comunidade que os liberais falam.
Todas estas privatarias já foram testadas nos USA. Se fossem sérios, estariam mostrando os problemas desta via – o desempenho americano no PISA é a melhor prova de sua falência – e não apenas alardeando soluções mágicas que, no fundo, visam implementar a lógica dos negócios nos assuntos educacionais para abrir mercado para a indústria educacional – única beneficiária da privataria geral americana.