Isolando o direito de aprender

O direito de aprender está na moda. Os novos reformadores portam-se como salvacionistas deste direito “em risco”. A fala é vigorosa.

Este discurso pode ser ouvido nos Estados Unidos há 30 anos pelos mesmos reformadores de lá. Não consta que a educação americana tenha reduzido as distâncias de aprendizagens entre ricos e pobres e que o direito de aprender tenha sido respeitado. No Chile mesma coisa. A fala impressiona, mas ao mesmo tempo oculta, além de seu próprio fracasso prático, as obrigações de quem deve organizar o ensino, os governos.

Há um direito de aprender ao qual corresponde o direito de ter um ensino decente. Pelo menos deveria ser assim. Deveríamos medir os dois lados deste direito: o de aprender (resultados do ensino) e o de ser ensinado decentemente (responsabilidade pelas condições do ensinar), sendo que caberia aos governos garantir este direito ao qual solidariamente se une o professor como uma das condições importantes para assegurá-lo.

Neste último estariam incluídos: salário digno, formação continuada, condições infra-estruturais das escolas, garantia de tempo diversificado para a aprendizagem do aluno, direito a atenção individual e materiais adequados, política de formação de professores, clima escolar saudável, tempo integral na escola, custo-aluno-qualidade implementado nacionalmente, e outras cositas… topas?!!

Dica para ler antes de concordar: um recente estudo (que infelizmente não foi divulgado amplamente) mostrou que se medimos a proficiência da infra-estrutura das nossas escolas em escala nacional, usando Teoria da Resposta ao Item, os governos são reprovados no que diz respeito à garantia do direito de ter ensino decente.

Fica fácil ocultar o lado do direito de ser ensinado para enaltecer o lado do direito de aprender. Com isso se esquece, por exemplo, que ainda temos professores horistas ou “professores borboletas” que dão uma hora de aula de escola em escola para mais de 600 alunos na semana.

Os reformadores focam exclusivamente no professor, no currículo e no controle pela responsabilização dos agentes. Uma fala que enaltece as variáveis intra-escolares para ocultar as extra-escolares que os governos não dão conta e fingem que não são relevantes. No entanto, as últimas explicam mais de 50% dos resultados da aprendizagem e as variáveis intra-escolares não mais de 25%.

Não existe somente o direito de aprender/ensinar, devemos nos lembrar. Há ainda que se garantir o direito à infância saudável, à alimentação, à habitação, ao trabalho, à saúde. Isolar o direito de aprender dos outros direitos, faz parte deste processo de ocultação dos reais problemas que cercam a educação brasileira.

A fala liberal é simples: pela garantia do direito de aprender, os indivíduos obteriam todos os outros direitos por si mesmos. Algo assim como: fizemos a nossa parte, demos instrução básica, o resto é com você, seja um empreendedor de você mesmo.

Falta apenas encontrar um país que sirva de exemplo histórico para comprovar a tese. Recente estudo mostra que as diferenças só aumentaram.

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About Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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1 Response to Isolando o direito de aprender

  1. Excelente texto professor. Para mim, o direito a aprender é tão redundante quanto o direito a respirar. O ser humano aprende assim como respira. Nem sempre respira um ar saudável, mas aí o direito seria a um ar saudável. Vamos falar do direito a uma escola decente…Ai a coisa complica…Parabéns, também, pelas atualizações sempre pertinentes da sua página.

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