Políticas “walking deads”

Maria Alice Setubal escreve acertadamente na Folha de São Paulo de 4-9-15 que:

“Ao analisarmos o modelo de desenvolvimento brasileiro, no entanto, valorizamos em demasia o consumo em detrimento do conhecimento, pensamos mais em alcançar melhores resultados nas avaliações do que oferecer um conhecimento humanístico e científico capaz de formar as novas gerações para os desafios do século 21.

Pensamos mais no diploma como um passaporte para o trabalho do que na importância desse saber como emancipação e aquisição de capacidades que possam significar maior autonomia e liberdade.”

São pensamentos como este que podem nos ajudar a evitar colocar a educação brasileira em uma “corrida para nenhum lugar”, em busca de “anabolizantes” para inflar médias obtidas em avaliações, regadas a pressão sobre as escolas.

Entrando neste túnel, assistiremos à adoção de “milagres” pós “milagres”, tentando por atalhos, sem sucesso, retirar a educação do atual patamar em que se encontra. Isto já está acontecendo agora. Sem sucesso para os estudantes e professores, mas com grande sucesso para as consultorias.

Estas políticas são hoje verdadeiros “walking deads” – mortos vivos – que vagam pelo mundo produzindo efeitos nefastos.

Infelizmente, escolas não corrigem a pobreza, a degradação cultural e ambiental. É preciso mais do que colocar a criança na escola, ter uma base nacional comum e declarar seu direito à aprendizagem, controlando e “bonificando” (ou punindo) os profissionais da educação. É preciso, antes de tudo, mobilizar cada escola em um processo de responsabilização participativa que defina claramente qual a responsabilidade do poder público na qualidade da escola,  qual é a responsabilidade específica da escola e qual é a responsabilidade da comunidade.

Mas o elemento central deste processo está na articulação permanente de instâncias de participação dos atores da escola na própria configuração das micropolíticas públicas locais. As escolas devem ser centros culturais de suas comunidades com meios tanto para responsabilizar o poder público como, ao mesmo tempo, para serem responsabilizadas pelo poder público.

Vamos precisar de muita luta para deter estas politicas que destroem a escola pública. Não porque queremos que a escola pública continue sendo como é, mas porque queremos que o dinheiro público seja aplicado na melhoria da escola pública por métodos adequados de responsabilização e não desviados para empresas educacionais e consultorias, ou para redes de terceirizadas atuando por concessão de gestão. Destruiremos a escola pública por ideias que já se sabe não resolverão nossos problemas educacionais. Recuperar a escola pública depois de sua destruição, será muito mais difícil. O Chile que o diga.

 No entanto, é preciso que também nos preparemos para o fato de que certas ideias só são vencidas pela sua própria prática. Novamente, o Chile que o diga.

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About Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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1 Response to Políticas “walking deads”

  1. Avatar de Dagmar Zibas Dagmar Zibas disse:

    Vale destacar no exemplo do Chile o seguinte: o modelo de privatização, adotado por Pinochet e continuado durante a democratização, não inibiu a formação crítica dos estudantes. Em verdade, a reversão paulatina do modelo a que se assiste agora deve-se, principalmente, à mobilização constante dos alunos do ensino médio. (Além, claro,de um sindicato docente – o Colégio dos Professores – muito atuante e, ao que me pareceu, pouco corporativo). Foram anos de rebeliões estudantis muito bem planejadas. Os “pinguins”,como eram chamados por seus uniformes, nunca se desmobilizaram por anos, tendo pautas muito bem definidas para exigir mudanças nas políticas. Francamente, dava inveja de ver a articulação, o elevado nível de formação/informação e mobilização dos estudantes. Apostaria que aqueles estudantes (que entrevistei em pesquisa lá realizada) nem sonhavam que pudesse haver escolas de ensino médio como as nossas, de onde grande parte dos alunos sai apenas semi-alfabetizada.

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