Escolas charters: riscos do Governo de Goiás

Goiás decidiu abandonar 30% de suas escolas e entregá-las à iniciativa privada, como já divulgamos. Uma solução fácil que implicará em um desmonte da escola pública naquele estado. O dinheiro que deveria ser usado para alavancar as escolas públicas e o magistério, irá parar no bolso dos operadores de charters. Não é razoável que se deixe de investir na escola pública de gestão pública, para investir em uma escola de gestão privada que drena tais recursos preciosos.

Desmontado, aparecerão problemas que agora não são visíveis, mas o retorno destas escolas de gestão privada à condição de escola pública de gestão pública, será extremamente difícil. O Chile está tentando dar marcha a ré neste processo e vive hoje estas dificuldades de reversão de rota.

O sistema das charter precariza a educação e seus trabalhadores, portanto é gerido com menos recursos. Nos Estados Unidos, os professores das escolas charters ganham menos que os professores das escolas públicas regulares. Além disso, as charters só contratam professores que não são sindicalizados, exatamente para que não tenham resistência.

Esta é a principal motivação destas reformas. Aliás, sem demonstrar superioridade em relação à escola pública de gestão pública, seria insensato pensar em um sistema privado que fosse ainda mais caro. Retornar ao Estado, quando o fracasso deste caminho se impuser, implicará em recursos que já não existirão ou que foram alocados a outras atividades.

Quais as implicações desta decisão para a educação daquele estado? Já falamos muito neste blog sobre a duvidosa eficácia das escolas charters. Os estudos, em seu conjunto, não apontam vantagem das escolas charters sobre as escolas públicas de gestão pública. Mas há um outro aspecto que talvez seja até mais relevante: trata-se dos riscos de “desnacionalizar” suas escolas no médio prazo, colocando-as nas mãos de grupos econômicos que operam escolas charters e que estão radicados até mesmo fora do nosso país.

A democracia exige escolas públicas de gestão pública. Só este tipo de escola pública pode ter uma amplitude democrática que inclua a todos. A escola pública é responsável pela execução de um projeto de democracia e sem ela, terceirizada, a escola pública de gestão privada não terá a necessária abrangência inclusiva e a necessária isenção para permitir a pluralidade de ideias. Entregar a escola pública à administração de uma parte da sociedade, seja na forma de organizações sociais sem fins lucrativos ou aos empresários nacionais e/ou estrangeiros, é reduzir o alcance democrático da escola pública, além de expô-la ao controle de grupos confessionais ou empresas estrangeiras em operação pelo mundo na área educacional.

Caso emblemático é um movimento religioso da Turquia que controla mais de 200 escolas charters em território americano, o grupo Gulen. O jornal USA Today afirma que:

“O movimento fundou Centenas de escolas charter em todo os Estados Unidos e ao redor do mundo, ele tem a sua própria organização de mídia, e esteve profundamente enraizado com o regime turco até ser posto para fora há dois anos. Isso levou o presidente Recep Tayyip Erdogan a declarar que Gülen estava montando “um estado paralelo” no interior do país com a intenção de prejudicar o governo. Antes das eleições turcas, neste fim de semana, a polícia invadiu os escritórios das organizações de mídia da Gülen. ”

A reportagem ainda relata a existência de relações duvidosas do grupo com os congressistas americanos, foco da matéria, tendo o grupo financiado mais de 200 viagens para congressistas:

“Divulgações do Congresso mostram que as viagens apoiadas pela Gulen totalizaram mais de US $ 800.000 em viagens gratuitas para os legisladores e funcionários. Esse número provavelmente subestima os custos já que muitas das despesas no país não eram reportadas. ”

Veja reportagem completa aqui.

A questão que mais incomoda os americanos é que estão colocando a formação de seus jovens nas mãos de um conglomerado econômico estrangeiro, com princípios e valores diferentes dos seus, ou seja, estão perdendo controle sobre o que está acontecendo dentro de suas próprias escolas.

Não seria a escola pública de gestão pública  um local estratégico para um país, já que é ali que estão sendo formados os futuros profissionais e governantes nas várias áreas?

O Governo do Estado de Goiás está no caminho do desmonte da escola pública e de seu magistério. No primeiro momento, aparecerão organizações sociais ligadas a atividades confessionais, depois pequenos empreendedores nacionais. Finalmente, quando o mercado estiver estabelecido, aparecerão os grandes grupos operadores de escolas charters e do ensino privado. E pela lei do mercado, estes grupos maiores comprarão os menores e os eliminarão.

Quando o Estado quiser reagir, será tarde.

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About Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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1 Response to Escolas charters: riscos do Governo de Goiás

  1. Avatar de Robson Leite Robson Leite disse:

    Este governador será um dia devidamente lembrado e homenageado em seu merecido lugar: a lata de lixo da história!

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