Neste final de semana, Haddad escreveu para a Folha um artigo em que comenta a reforma do ensino médio proposta por Temer. Diz ele:
“Permaneci no Ministério da Educação (MEC) por oito anos. Criei a Prova Brasil e a partir dela o Ideb, índice que mede a qualidade da educação básica, escola por escola, rede por rede.
A ideia era a de monitorar a evolução da qualidade, permitindo identificar boas práticas, criar uma cultura de responsabilização e fixar metas aferíveis a cada dois anos, de modo a atingir patamar de qualidade de educação de país desenvolvido. Até o final da minha gestão, todas as metas de qualidade foram cumpridas ou superadas.”
Não espere parabéns pois estas ações, ex-ministro. Foram equivocadas e pavimentaram o caminho para as reformas empresariais da educação que estão em curso agora no governo Temer de forma mais incisiva. O PT implantou a ideia de que a avaliação censitária salvaria a qualidade da educação brasileira (Prova Brasil). Comprou a visão de uma reforma baseada em testes e responsabilização. Reforçou a ideia herdada da época de FHC, de que “médias mais altas nas escolas são sinônimo de boa educação” – uma perfeita bobagem que se agrava quando se toma por base apenas duas disciplinas da escola e não melhora se estendermos para todas.
Haddad deveria tirar de seu currículo o fato de ter criado a Prova Brasil censitária e fazer uma autocrítica. Os Estados Unidos, país que mais pratica esta vertente da reforma empresarial da educação, não tem avaliação nacional censitária (são os estados que realizam as avaliações censitárias). A avaliação nacional é amostral. A Finlândia não faz avaliação censitária de larga escala ao longo da educação básica.
Mas a “colônia” tinha que ir além, fazer mais: instalou uma prova que é censitária (note, apenas para as escolas públicas do fundamental I e II, mantendo o formato amostral para as escolas privadas e para o ensino médio) e que é realizada ao longo da avaliação básica (5a. e 9a. séries do fundamental e 3a. do médio). Seu parceiro de aventura e mentor do IDEB, Reynaldo Fernandes, ex-presidente do INEP, hoje defende a privatização da educação. E o ex-ministro acha que ajudou a educação brasileira com isso.
Para o ex-ministro, a reforma do ensino médio da MP do governo Temer vai pelo caminho errado.
“Receio que a reforma do ensino médio proposta pelo governo, longe de resolver, torne ainda mais distantes os objetivos almejados.”
Ele apoia a reorganização por áreas proposta pela reforma – na esteira da reformulação do ENEM de 2009; reclama de que a reforma não dialoga coma realidade concreta dos jovens (mas é a mesma razão que o governo alega para promover a MP); reclama do descaso dos governos estaduais; fala que a carga horária mínima de 7 horas é surreal; critica o desconhecimento da reforma sobre o ensino noturno; critica a obrigatoriedade apenas de língua portuguesa e matemática nos três anos do ciclo e seus impactos na formação de professores.
No entanto, em nenhum momento toca no ponto central: ampliação da segregação escolar por indução dos mais pobres a transitar pela área profissional/técnica, em direção ao mercado de trabalho – não por opção, mas por condição de vida.
No artigo, apresenta também as sugestões:
“1) Fim do vestibular e revisão da matriz do Enem em consonância com a base comum nacional; 2) Obrigatoriedade do Enem como componente curricular e sua adoção como métrica da qualidade; 3) Inclusão de ciências da natureza na Prova Brasil do 9o ano; 4) Apoio federal para reestruturação do ensino médio noturno; 5) Integração do ensino médio com formação profissional, sobretudo na educação de jovens e adultos; 6) Permissão para que prefeituras que universalizaram a educação infantil e o fundamental possam investir no ensino médio com recursos do Fundeb; 7) Fortalecimento do ensino médio federal.”
Nenhuma palavra em relação aos graves problemas sociais que impactam a juventude; nenhuma referência ao sistema do “professor borboleta” implantado em nosso país, com professores pulando de escola em escola para dar uma aula aqui, outra acolá para completar a jornada. Nada sobre a participação da juventude na gestão das escolas; nada sobre o volume de alunos nas salas de aulas; sobre a falta de apoio à permanência dos jovens em nossas escolas ou sobre um sistema decente de formação de professores – entre outros.
Tirando os pontos quatro e cinco de suas sugestões, é pouco provável que os atuais ocupantes do MEC tenham alguma divergência muito grave com as demais propostas. O ex-ministro convive bem com as teses das reformas empresariais da educação (itens 1, 2 e 3). Foi este “hibridismo” que travou as políticas educacionais do PT e pavimentou o caminho para as políticas atuais, ao invés de dar àquelas um rumo diferente.
O PT, ao lado de acertos, cometeu uma série de equívocos para os quais foi alertado quando ainda estava no governo. Não ouviu. Saído dele, continua a promove-los sem que nenhuma das críticas que recebeu faça efeito, tal como não fez durante os anos em que esteve no próprio governo.
Errar é humano, mas persistir no erro, tem nome.
Obrigado pelo artigo, Luiz.
Eu só gostaria de fazer uma observação: não se trata de burrice do Haddad ou do PT, mas dos interesses de classe que representa.
Com sua política conciliatória, o PT tornou-se um partido burguês.
É essa política conciliatória que abriu o caminho para a direita, e o impeachment foi só um exemplo.
Em educação, como você sempre denunciou, Haddad-ministro realizou uma enorme transferência de dinheiro público para as instituições privadas, possibilitando o surgimento do maior grupo educacional do mundo, Kroton-Anhanguera.
A mesma coisa aconteceu com as creches conveniadas em sua gestão na prefeitura de São Paulo, coisa que será levada adiante por Dória.
Grato pela adição…