Filosofia X Matemática: torturando dados do ENEM – final

Continuação de post anterior.

Um último aspecto a considerar diz respeito à exposição midiática dos resultados da pesquisa feitas por Erika Fraga em reportagem da Folha de São Paulo: “Filosofia e sociologia obrigatórias derrubam notas em matemática: segundo pesquisa, exigência no ensino médio prejudica desempenho de alunos”.

Ignorando quaisquer recomendações para efetuar reportagens científicas, a articulista exalta os resultados e não diz nem uma palavra sobre as fragilidades metodológicas da pesquisa – nem mesmo as apontadas pelos próprios autores no estudo. No manual da Associação de Jornalistas da Educação pode-se ler que:

“A maioria dos bons pesquisadores costuma destacar esse aspecto em uma seção do artigo, que deve ser leitura obrigatória para os jornalistas.”

Note-se o caminho que se criou com o descuido da jornalista da Folha de São Paulo: um estudo feito com limitações, tem suas limitações ignoradas pela matéria jornalística e tem seus resultados divulgados podendo orientar política pública.

Em matéria posterior, Erika Fraga tenta consertar a situação fazendo uma entrevista com um especialista que encontra fragilidades na pesquisa. Mas ela está deslocada no tempo. Além disso, as fragilidades apontadas pelos autores não são apresentadas (somente comentadas) e a entrevista é encaminhada para a questão do “excesso de disciplinas no ensino médio” – o que reitera um questionamento do número atual de disciplinas.

Postura diferente teve o jornalista Antonio Gois do “O Globo” o qual analisou o estudo e estampou em sua manchete: “Estudo que aponta que sociologia e filosofia causaram queda no desempenho em matemática é frágil” mostrando, a partir do texto original da pesquisa, as principais deficiências metodológicas do mesmo. Diz:

“A precaução se justifica, pois na avaliação educacional uma das tarefas mais complexas e desafiadoras na análise de políticas públicas é conseguir comprovar a relação de causa e efeito entre duas variáveis, ao invés de simples correlação. “

Leia o texto aqui.

Sobre eventuais influências ideológicas na pesquisa vale dizer que nenhum pesquisador é neutro. Quando colocamos nossos conceitos, escolhemos variáveis e tomamos decisões metodológicas, somos influenciados pelo que assumimos como visão de mundo. O rigor metodológico tenta conter-nos. O que se cobra dos pesquisadores, no entanto, não é neutralidade, mas sim, objetividade no processo de pesquisa, prudência e coerência quanto aos resultados obtidos, face as limitações que o estudo possua.

As limitações de um estudo, que quase sempre existem, devem estar claras na metodologia, mas não só lá. Devem acompanhar o pesquisador por todo o trajeto da pesquisa, inclusive chegando até a interpretação dos resultados e às considerações finais, onde se deve examinar os eventuais impactos de tais limitações sobre os resultados apresentados. Como afirma Carl Sagan: “Afirmações extraordinárias, exigem evidências extraordinárias.”

Para Corti e outros:

”Não há problema que os pesquisadores tenham suas posições políticas enquanto cidadãos e as manifestem publicamente. Entretanto, quando as posições políticas se sobrepõem à pesquisa e esta última passa a ser utilizada para produzir evidências das primeiras, temos um enorme conflito ético.

Não é possível ignorar que a pesquisa de Niquito e Sachsida é divulgada justamente num momento em que se discute a Reforma do Ensino Médio e a Base Nacional Comum Curricular, recém apresentada pelo MEC. Sabemos que um dos diversos pontos polêmicos da Reforma consiste justamente na retirada das disciplinas- entre elas Sociologia e Filosofia – e a configuração de um currículo por áreas de conhecimento. Ao mesmo tempo, o movimento Escola sem Partido posiciona-se contrário ao ensino da Sociologia e da Filosofia, pelo seu caráter reflexivo e crítico, que traz para a educação básica conhecimentos exigidos para o exercício da democracia contemporânea, tais como debates envolvendo o mundo político, as questões de gênero, de racismo e de identidade.

Não se trata de acusar os autores de distorcerem os princípios científicos em prol de posições políticas, mas de construir outros olhares e, sobretudo, alertar para a importância do contraditório. Que cada um faça seu julgamento e que o debate continue. O importante é garantir que, quando falamos de políticas baseadas em evidências, haja consistência e consciência dos limites técnicos das mesmas e seus contextos de produção.” (p. 5-6)

Adolfo Sachsida, um dos autores, é agora candidato a deputado nas próximas eleições e com isso, deixou mais claro seu compromisso político a que, diga-se de passagem, tem direito, inclusive reafirmando sua defesa do Movimento Escola Sem Partido.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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