E se a bola não chegar?

Que ensinamentos podemos tirar da copa do mundo para a educação? Vários, mas vou escolher um. A área do esporte é a da educação amanhã, se submetida à mesma privatização. O fracasso da seleção brasileira sensibilizou a todos, mas as razões deste foram somente arranhadas.

Um dos problemas centrais reside na privatização do setor – além de sua propensão ao esporte de alto rendimento, portanto, seletivo. A lei Pelé colocou os jogadores na mão do mercado. E como o mercado não tem pátria, é claro que investir na base do esporte, na formação de novos jogadores – tarefa que os clubes faziam – virou coisa de trouxa. Um clube investe na preparação e o outro compra os melhores, deixando os piores para quem investiu. A própria compra e venda de jogadores tem vida própria independentemente do que se espera de uma área como o esporte nacional. A Copa só denunciou esta mercantilização do esporte e destruiu a “nobreza da seleção canarinho” que ocultava esta realidade.

Em uma profissão efêmera, de curta duração, e tentada por salários de um milhão ao mês, não há política que resista à fixação dos melhores no país ou nos clubes. Restou juntá-los nas vésperas das competições, mas o resultado é o que se tem hoje com a seleção brasileira. Não há conjunto.

Como diz Gilmar, novo coordenador de seleções da CBF:

“Em diversos momentos da entrevista coletiva, Gilmar ressaltou o foco no trabalho coletivo. O dirigente, inclusive, utilizou a Alemanha como exemplo de como o individual deve ficar em segundo plano diante do trabalho em equipe.”

Não vai ser fácil, pois aí entra em cena outro aspecto da privatização. A competição. Quando se privatiza, instala-se a competição como princípio e meio de funcionamento da área.

Porém, ocorre que “um time” exige colaboração. É o que se diz que foi o diferencial da Alemanha: eles tinham conjunto e não apenas talentos individuais.

Mas a competição gera talentos individuais. Todos querem ser Neymar – marcar gols bonitos e serem contratados por milhões. Poucos se dispõem a ser goleiros e a ocupar outras posições em campo. São apenas posições de apoio. Não rendem. Só conta quem marca gol. Cooperação quando se mira a competição? Colaboração quando se valorizam as “boas práticas” de Neymar na finalização?

A queixa dos “atacantes” resume-se em dizer que “a bola não chegou”. Ou seja, a culpa é dos outros que não apoiaram os grandes marcadores de gol. Mas, por que eles deveriam fazer isso se quem marca gol (o “craque”) é quem fica com o suce$$o e não a equipe?

Não podemos dizer que todo o fracasso se resumiu à privatização. Mas que ela tem uma boa parte de culpa no processo ela tem.

E imagine-se esta filosofia em uma escola – um ambiente que exige colaboração e que deve ensinar a colaboração…

E se também na educação “a bola não chegar”? O que farão os “professores campeões”?

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About Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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3 Responses to E se a bola não chegar?

  1. Avatar de GERALDO ANTONIO BETINI GERALDO ANTONIO BETINI disse:

    Brilhante, Luiz Carlos. Só você, um batalhador pela escola pública, poderia fazer essa analogia do esporte com a escola.

  2. Avatar de Suelen Batista Suelen Batista disse:

    Muito bom!

  3. Avatar de M. Estela Sigrist Betini M. Estela Sigrist Betini disse:

    Sobre a privatização.
    A privatização significa negócios e não educação. A revista Exame de 23/07/2014 traz em reportagem de capa “Nasce a maior empresa de educação do mundo”. Fala sobre a Kroton “Nenhuma empresa aproveitou tão bem a explosão do número de estudantes universitários no Brasil quanto a Kroton- que já é a maior companhia de educação do mundo”.
    A reportagem é sobre os lucros e crescimento do negócio, nada sobre educação, mas em seu fechamento traz importante análise:
    “Empresas como a Kroton não precisam – nem têm a pretensão – formar o primeiro Prêmio Nobel brasileiro. O papel de formar pensadores e executivos de elite vai continuar nas mãos de escolas públicas ou de redes como Ibmec e a Fundação Getúlio Vargas – assim como, nos Estados Unidos, a pesquisa se concentra em escolas sem fins lucrativos, como Harvard e o Massachusetts Institute of Technology”.( Págs. 34 e 42)
    Reconhecem, só sem fins lucrativos é que se terá boa educação, o resto são negócios lucrativos.

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