A nova direita (uma articulação parlamentar, judiciária e midiática), ao dar prosseguimento ao Golpe de 2016 anulando Lula e outros à esquerda, comete um erro do qual se arrependerá, tardiamente. Não são poucas as vozes que alertam para o fato de que a condenação de Lula e sua eventual prisão aumentam a radicalização ou, como gostam de dizer, a “polarização” no país. Isso é um outro nome para a velha “luta de classe”.
A direita (antiga) sempre valorizou lideres conciliadores na esquerda. Mais experiente que os Dória da “nova direita”, ela viveu a pressão da classe trabalhadora no pós-guerra e aprendeu a valorizar lideranças que impediam que a massa trabalhadora radicalizasse, colocando no lugar o “diálogo entre patrão e empregado”. A questão, na época, era anular as lideranças “radicais” que pregavam o socialismo e, portanto, a luta de classes.
Com este movimento, a direita isolou a liderança de esquerda considerada mais radical e valorizou o nascimento de uma “nova esquerda” que jogava o jogo, que pretendia fazer avançar a luta dos trabalhadores por dentro do próprio sistema, pelas eleições representativas da democracia liberal. Ainda podemos nos lembrar, os mais velhos, da capa de revistas da direita que nos anos 80 saudavam Genuino, Aloisio Mercadante e José Dirceu como as novas lideranças que iriam redefinir as esquerdas. O PT nasceu para ocupar este espaço: para construir a conciliação dos interesses dos trabalhadores com algo que se poderia chamar de “burguesia nacional”. Uma espécie de ganha-ganha.
A estratégia de eliminar a força político-eleitoral da “nova esquerda” por golpes jurídico-parlamentar-midiáticos tem as mesmas preocupações de Hayek no pós-guerra desenvolvidas por Buchanan nos Estados Unidos com financiamento dos Irmãos Koch (veja aqui). Ela é “inovadora” na medida em que prega abertamente abrir mão da democracia liberal que entende ser uma forma de organização que não resiste às pressões da massa. Neste sentido, a “nova esquerda” entrou em um barco furado, acreditando que as regras do jogo valiam. Esta mudança de entendimento caracteriza o conflito entre a direita (antiga), do tipo Alckmin e FHC, e a “nova direita” do tipo Doria. No Brasil, por agora, este conflito parece ter sido acomodado com a entrega do governo do Estado de São Paulo a Doria. Mas ela está se organizando para assumir o controle.
Com a queda do socialismo e o aumento das contradições do capitalismo, as teses desta “nova direita” emergente se fortalecem e vão sendo aceitas como tábua de salvação da acumulação de riqueza – especialmente a ideia de que a democracia representativa não tem forças, pela sua própria dinâmica, para conter as pressões da massa sobre o sistema democrático, fazendo com que este seja levado a introduzir nas constituições nacionais e na legislação ordinária as reivindicações dos trabalhadores, as quais dificultam a manutenção das taxas de acumulação.
Sem nenhum “agradecimento”, a “nova direita” dispensou a “nova liderança de esquerda” que elogiou no passado. Sente-se forte no atual cenário para enfrentar toda a esquerda e dispensar lideranças conciliadoras. Acirra, portanto, unilateralmente, a luta de classes, face às dificuldades que tem de garantir horizonte para suas taxas de acumulação sem que sejam feitas as tais “reformas”.
No pano de fundo está a sobrevivência das próprias burguesias nacionais de países como o Brasil se não aceitarem as regras do “mercado” internacional que exige as reformas. Enquanto Lula era condenado, a Bolsa de Valores batia recorde aos 83 mil pontos: com Lula fora do páreo, nada pode atrapalhar seus planos de acumulação. Esta é a “estabilidade” que o andar de cima procura.
A “nova esquerda” não estava errada do ponto de vista eleitoral. Tanto que tornou-se uma força considerável a ponto de meter medo. Mas a questão que se recusou a examinar foi a viabilidade de produzir mudanças substanciais pela via eleitoral, sendo atacada pelas costas por flancos jurídicos e parlamentares. Acabou crescendo demais para os propósitos da “nova direita”. Carta Capital denuncia reunião ocorrida em Atlanta (USA):
“No fim de 2012, Manolo Pichardo, político da República Dominicana, participou de uma sinistra reunião na suíte de um hotel em Atlanta, nos Estados Unidos. Alguns ex-presidentes latino-americanos de inclinação de centro ou direita discutiram como varrer adversários progressistas do mapa. Afinal, dizia um dos presentes, Luis Alberto Lacalle, ex-mandatário uruguaio, “não podemos ganhar desses comunistas pela via eleitoral”.”
As teses da “nova direita”, ao promover a radicalização – e é preciso que fique claro que é ela quem está radicalizando e não a esquerda – e eliminar as lideranças conciliatórias supõe um erro de base: a de que a esquerda é um fenômeno supra-estrutural da política e que pode ser eliminada junto com seus líderes. Pretende abrir caminho para realizar sua política (inclusive a privatização radical) que permitiria que o povo vivenciasse a nova lógica social e com isso percebesse as vantagens desta política frente à da esquerda. É cega para as consequências sociais contraditórias de sua ação.
O pensamento de esquerda não é produto do PT. Acabar com o PT e suas lideranças não acaba com a esquerda. Antes, o PT é produto das condições de vida sociais que ele procura interpretar à sua maneira. É produto das condições do funcionamento social e estas, sob a “nova direita”, vão ficar mais difíceis e não mais fáceis como eles pretendem demonstrar. As reformas que estão sendo feitas vão bater forte na classe trabalhadora produzindo um precariado que terá condições objetivas de luta jamais vistas antes. O descuido, insisto, é que quando o conflito aumentar, as lideranças conciliadoras (e o próprio sistema democrático liberal – parlamento e judiciário) já estarão desgastadas pelo embate que estão produzindo e a estratégia conciliatória estará desacreditada, restando apenas o caminho do arbítrio em substituição à democracia liberal o que levará ao confronto. Este é o sentido mais grave que se pode atribuir ao atual movimento da “nova direita” e que Roberto Romano, por outros motivos, chama de “atitude impensada” (referindo-se à condenação de Lula dia 24 de Janeiro de 2018):
“A decisão não abarcou a complexidade da situação política em que nós vivemos”, afirmou. Segundo Romano, os eleitores de Lula, em grande medida de origens mais pobres, não têm uma relação de confiança com o Judiciário brasileiro.”
Dessa forma, setores à direita desconstroem aquilo que poderia no futuro ser sua própria saída, ante as consequências da radicalização ou polarização que agora estão produzindo, a qual levará a fortes reações em termos de horizonte histórico. No entanto, do ponto de vista da esquerda, por contraste, a radicalização da “nova direita” com as reformas abre possibilidades de luta imensas.
O golpe de 64 mostrou que o espaço para produzir reformas desde dentro do sistema, participando do jogo, é praticamente nulo. O golpe de 2016 ratificou esta mesma compreensão, por outros meios, e mostra até onde está disposta a ir a “nova direita” para proteger seu sistema: abrir mão da própria democracia liberal na qual a esquerda acreditou. Este é o significado da “cassação” de Dilma e agora da “cassação” de Lula.
Uma das melhores analises que li sobre a conjuntura!