O tortuoso caminho que a transição tomou desde o início acabou em crise antecipada. No caso da educação, quando Haddad reuniu um grupo de 56 pessoas para discutir a transição, ele gerou a expectativa de que se estava construído um plano de governo. Isso abriu caminho para um verdadeiro “trem da alegria ideológico” que recebe adesão a todo momento – veja-se o caso da inclusão de Claudia Costin, ex-diretora do setor de Educação do Banco Mundial e defensora explícita das teses da reforma empresarial da educação construída nos países centrais em governos neoliberais, e de Priscila Cruz, diretora-presidente do Movimento Todos pela Educação, sucursal brasileira dos reformadores.
Acuado pelo pouco tempo, ontem Mercadante reuniu a equipe de transição, os 31 grupos, para dizer que o programa do governo Lula já estava pronto antes da eleição e que os grupos devem focar no diagnóstico e não em “ideias geniais”. A direita reagiu imediatamente.
Embora eu ache que mesmo o programa elaborado antes já era genérico demais, e isto vai gerar problemas futuros, creio que Mercadante está certo. O programa, mesmo inacabado, terá que ser o ponto de partida e não o GT de transição. E a complementação dele terá que ser feita com a equipe do MEC já definida. Os reformadores precisam entrar na fila.
Desde a primeira reunião “informal” com 56 pessoas, observa-se uma composição que sugere a constituição de um grupo para examinar recomendações de políticas para o futuro ministério, até mesmo com exclusões inaceitáveis de aliados de primeira hora, como a CNTE. E recomendações políticas são sempre baseadas em uma visão de futuro que deve ser feita tendo como referência um programa político. Sem o programa abre-se um vácuo.
Se o programa da Coligação Brasil da Esperança for colocado claramente como referência, o diagnóstico fica limitado ao diagnóstico, que deveria ser o objetivo central do GT, garantindo que o momento da transição tenha como norte o programa e não o foco na política que será adotada. Se isso tivesse sido garantido, muitos problemas teriam sido evitados, pois, como o ato de administrar não é neutro, tem que haver um norte político ou se criará outro ao sabor dos componentes do GT durante o próprio diagnóstico. A falta deste horizonte é o que motivou a montagem do GT e está levando a sua constante alteração.
Os grupos estão ganhando uma composição por demais ampla, guiados pelas expectativas de se fazer um programa. Ao contribuir com o fim do governo Bolsonaro, não se fez um favor para a coalisão vitoriosa no primeiro turno e liderada pelo PT, mas um favor ao país. Isso não pode, agora, virar dívida política a ser paga com direito a reescrever o programa que levou a coligação à vitória no primeiro turno.
O programa é produto dos Partidos componentes da coligação. Bem ou mal, este é o ponto de partida para a política do governo Lula a ser retomado pelos Ministérios. Mudanças são possíveis, mas devem ser discutidas no momento oportuno. Quem incorporou-se à campanha no segundo turno, não pode ter a pretensão de fazer um novo programa agora, durante a transição.
É hora, sim, de um freio de arrumação.
A questão, agora, é quem irá conduzir o Ministério da Educação e suas Secretarias tendo como referência inicial o programa da coligação e o diagnóstico.
Para a área da Educação organizada no Forum Nacional Popular de Educação a referência é a Carta de Natal e seus desdobramentos. E o porta-voz da Carta de Natal é Heleno Araujo, indicado para compor o GT da transição na educação.
Suas palavras e reflexões provocativas são um afago para minhas angústias. Apontamentos necessários até para nos ajudar a nos posicionarmos em nossos círculos sociais e profissionais.
Acompanho o seu comentário, Yuna. De acordo!
Está corretíssimo, prof. Freitas. Trabalho de transição é diagnóstico e indicação de ênfases e cenários sem corromper as bases do Programa vitorioso nas eleições. O cardápio está feito. Ninguém pode se frustrar se não tiver churrasco num restaurante de frutos do mar.
Bela metáfora, Carrano… abraço.
A adesão integral ao conteúdo da Carta de Natal tem que ser objeto constante da nossa vigilância, na transição, como no governo a partir de 2023. Porém, as entidades representativas do setor público e as universidades devem ir além, naquilo que constitui a sua autonomia e sua prerrogativa: formação e pesquisa transformadoras. Isso já teria que estar em discussão, com propostas claras para o próximo semestre letivo.
Iniciar uma discussão política para (re)definições dos rumos e processos da educação pública brasileira a partir de Fundações e Institutos, a exemplo de Todos pela Educação, Fundação Lemann, Instituto Unibanco (outros) é para refletir e questionar. “Há algo de podre no reino da Dinamarca”.