Aos mais pobres, a continência e a obediência

Sim, as escolas militarizadas são para escolas de baixo IDH e com nota abaixo das metas em avaliações. Todos no mundo da estatística sabem que o nível socioeconômico é uma das variáveis que têm grande influência na aprendizagem e nas notas baixas em avaliações. Este é um tópico não resolvido nos nossos sistemas de avaliação que não isolam e divulgam estes dados de forma vísível e em série histórica, ao contrário de outros países.

Ou seja, as escolas militarizadas atenderão aos mais pobres e excluídos. Para os que aderem a este modelo, os mais pobres não aprendem devido à falta de disciplina. Na verdade, é uma razão que oculta a necessidade ideológica das elites de manter os mais pobres sob controle, formá-los para serem obedientes às autoridades e sob influência de certas formas de atuação que consideram seguras para elas, as elites. Visa abafar o compromisso desses estudantes com a transformação social.

Mas para seus filhos e filhas, as elites não precisam disso. As elites querem que seus filhos cresçam criativos, protagonistas e com habilidades para comandar. Nada disso coaduna com uma escola em que se obriga a usar um uniforme padrão de tipo militar e tenha o comportamento dos estudantes monitorado diariamente por “pontos” que são anotados em uma ficha individualizada. Qualquer atuação que seja considerada uma “infração” tem como consequência perder 0,25 créditos (se a infração é pequena) em uma escala que chega até 2 créditos para infração gravíssima, que são retirados do estoque de cinco pontos que lhe são outorgados no primeiro dia de aula.

Também não vão querer seus filhos em uma escola onde qualquer manifestação de afeto está proibida, mesmo fora da escola, se estiverem de uniforme:

“O cumprimento entre os alunos é o aperto de mão. O não cumprimento desta norma constitui falta disciplinar, podendo, conforme o caso, implicar no comparecimento imediato do responsável ao CCMDF para o conhecimento do fato e orientações. Fora do Colégio, a proibição restringe-se ao aluno uniformizado”, diz o documento.

Leia aqui o conjunto de normas destas escolas.

E claro, como não poderia faltar, os mais obedientes recebem prêmios.

A escola está sendo aprisionada pelos conservadores com os programas de militarização e aprisionada pelos empresários com seus programas de privatização.

Nesta tarefa de retirar a escola da esfera de atuação do Estado e colocá-las sob controle de agentes ideológicos seguros (empresários, militares da reserva e sacerdotes), cresce o repasse de verbas para fora do sistema nacional de ensino, o qual vai sendo desfinanciado paulatinamente, cumprindo o objetivo final das elites que é o de isolar a formação da juventude até mesmo dos preceitos republicanos.

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About Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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3 Responses to Aos mais pobres, a continência e a obediência

  1. Avatar de jairpaiva jairpaiva disse:

    Prezado prof. Luiz Carlos, bom dia. Excelente análise! Infelizmente, caminha a olhos vistos tais iniciativas, considerando o quadro político atual, em que conservadores podem ganhar prefeituras de capitais, pode piorar… Ação coordenada de todas as alas progressistas seria essencial, mesmo com todas as diferenças ideológicas, filosóficas entre elas…

  2. Avatar de Júlia Costa de Faira Júlia Costa de Faira disse:

    Como estudante da educação, suas análises são de grande ensino por elucidarem as relações entre políticas públicas e a luta de classes. Concordando com o que expõe neste caso das escolas militarizadas, relembro minha experiência no Rio de Janeiro, onde as forças armadas têm presença forte. Lá, o Colégio Militar era um dos colégios da “elite” (ou assim vulgarmente entendida), de “alunos que passam na Federal”, no Bairro Tijuca, badalado por uma classe média alta. Ou seja, aparentemente oposto ao caso das escolas militarizadas. Disso surge minha questão: como se diferenciam esses Colégios Militares das elites e as escolas militarizadas?

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