A Folha de SP nos informa que o MEC teria “desistido” de colocar o segundo ano do ensino fundamental como limite para o domínio da alfabetização, na BNCC. Será? Hoje o limite é o terceiro ano (8 anos), quando então ocorre também a avaliação censitária nacional de alfabetização chamada ANA. Há resistência, segundo o jornal:
“No conselho, a proposta do ministério enfrentou resistência. Ao longo de audiências públicas, secretários de Educação municipais reclamaram que, hoje, programas federais, como o Pacto pela Alfabetização na Idade Certa, levam em consideração o limite de oito anos. Um dos relatores da base no conselho nacional, César Callegari, secretário de Educação Básica do MEC na gestão Dilma Rousseff (PT), também vem se manifestando contrário à medida. O processo de alfabetização, diz ele, tem que levar em conta a diversidade de contextos sociais dos alunos.”
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Correta a argumentação. Mas será que o MEC “desistiu”? Não penso que tenha sido ele quem desistiu. Primeiro porque a proposta de mudar – mas deixar tudo como está – partiu do próprio Conselho Nacional de Educação:
“O ciclo de alfabetização será mantido em três anos anos, garantindo que o letramento seja em dois. O Conselho fez essa proposta e achamos adequado”. Ela afirma que, nessa linha, o ministério manteve a decisão de fazer a avaliação nacional de alfabetização ao final do 2º ano, e não no 3º, como vem ocorrendo. O objetivo, segundo Maria Helena, é que as escolas tenham um diagnóstico rápido do que ainda falta fazer no ano letivo seguinte.”
A proposta do CNE só teria sentido se a avaliação tivesse permanecido no terceiro ano e o letramento não fosse comprimido até o segundo ano. Note que o MEC admite que o limite continue sendo o terceiro ano do ensino fundamental, mas em contrapartida, propõe antecipar a avaliação da ANA e o letramento para o segundo ano. Ora, o demais é acessório… Isso porque Maria Helena sabe que o que vai controlar de fato as redes e os professores, sob a batuta de outras medidas em curso (lei de responsabilidade educacional, sistema nacional de educação, ENAMEB etc.) é a avaliação. Aqui existe um acordão destinado a desmobilizar a reação da sociedade e não uma desistência do MEC.
A justificativa para antecipar a avaliação reside em uma premissa falsa: os professores não saberiam quais são as debilidades dos estudantes no segundo ano e precisariam de uma avaliação externa para ficarem conhecendo-as. Nada mais falso. Uma avaliação como a ANA não tem a menor chance de explicar o desempenho de um estudante específico em uma dada sala de aula. Isso só o professor pode fazer e ele já faz. O que alta não é conhecimento e sim condições de trabalho para atuar de forma mais individualizada.
A ideia é sempre a mesma: manter a escola e os profissionais sob pressão das avaliações. E com isso, como admite Callegari, as crianças continuarão igualmente sob pressão – especialmente as que estão em condições diferenciadas de vida. Tudo igual.
O artigo explica de forma clara qual a intenção do MEC em colocar o segundo ano do Ensino Fundamental como limite para o domínio da alfabetização, na BNCC. O objetivo dessa alteração seria de avaliar os alunos para que no último ano de alfabetização os professores tenham um “diagnóstico” destes alunos e desta forma possam investir em estratégias para otimizar o aprendizado das crianças. Esse diagnóstico viria a partir da Avaliação Nacional de Alfabetização que seria aplicada no final do segundo ano do Ensino Fundamental, no entanto Freitas pontua o quanto essa estratégia não é adequada porque os professores se sentiriam pressionados a alfabetizar os alunos já no segundo ano criando um planejamento escolar pautado na avaliação nacional com a intenção de ter ótimos índices numéricos nestas provas, a ação contradiz as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para Educação Básica(LDB): parecer CNE/CEB N° 7/2010; Resolução CNE/CEB N° 04/2010 que afirma que as avaliações devem ser voltadas para a qualidade do ensino ou seja uma “I – avaliação contínua e cumulativa do desempenho do estudante, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais;” desta forma o “tiro sairia pela culatra” e o aprendizado ficaria mais prejudicado por causa da aceleração, a segregação seria maior, pois não se levaria em conta as condições diferenciadas de vida de cada aluno. O segundo comentário pertinente de Freitas sobre a avaliação(ANA) é o fato de ser uma prova nacional, trazendo resultados amplos, o que não demonstraria as deficiências de aprendizagem ou qualidades de cada um, uma avaliação individualizada pode e é feita pelo professor trazendo resultados focalizados, a partir daí cabe ao docente planejar algo direcionado ao seu público.
Outro argumento pertinente que pode ser colocado diante deste disparate do MEC é o da traumática transição entre etapas que seria agravada a partir desta alteração na BNCC, porque o Ensino Fundamental ficaria muito mais destoante em comparação a Educação Infantil onde a brincadeira é a protagonista para o letramento, das interações entre as pessoas, a estrutura escolar e entre as crianças. No Ensino Fundamental essa base totalmente alterada, o ensino se volta para a apropriação da língua escrita, o brincar fica em segundo plano. Desta forma observa-se uma falta de diálogo entre os dois primeiros níveis da Educação Básica no Brasil. Esse rompimento nas etapas da Educação Básica não deveria existir visto que elas devem ser articuladas e de forma contínua, ou seja, não deve ser marcada de forma drástica. O cuidar e educar fazem parte de toda a Educação Básica desta forma esses dois princípios que devem ser considerados em todas as etapas. A relação das crianças com o espaço físico no sentido de pertencimento do lugar, as interações entre os pares e professores de forma mais solidárias e menos individual na apropriação do conhecimento, uma maior integração entre o brincar e o letramento nas práticas pedagógicas no Ensino Fundamental aproximaria esta escola da cultura infantil. Diante desses fatos conclui-se que o aceleramento do processo de alfabetização dificultaria significamente a retomada ou a construção desse diálogo entre essas duas etapas o que traria mais sofrimento a essas crianças.
Em um sentido mais crítico ao acelerar a alfabetização o Ministério da Educação atende às demandas neoliberais que priorizam os testes e os resultados trazendo uma lógica empresarial para a educação, fato que justifica o desejo do MEC por essa alteração e o aproxima dos princípios do Movimento Escola sem Partido, a BNCC que deveria ser sinônimo de qualidade na educação expulsa as imprevisibilidades do chão da escola.
A instituição contribui para o mercado, adianta o retorno financeiro ao país e deixa clara a dependência entre o estado e o mercado. Desta forma a avaliação, a prestação de contas e a responsabilização tem prioridade diante da equidade de oportunidade, justiça social, questões de raça, classe, deficiência e sexualidade. O que afasta mais os sujeitos das escolas aumentando os índices de evasão escolar.