Semana de ENEM

Postado originalmente na Uol em 11/09/2011

A semana que se inicia começa com a divulgação das notas do ENEM 2010. Teremos que ler e ouvir, novamente, toda a discussão sobre o aumento das médias (subiu a média entre 2009 e 2010 em 2%, algo em torno de 10 pontos em uma escala de 0 a 1000), sobre as inadequadas comparações entre escola privada e pública etc.

Do ponto de vista político, o MEC está salvo. As notas aumentaram. Dirão que foi pouco, mas pior seria se tivessem caído ou empacado. Neste caso, nada como apontar para o futuro, 2028, por exemplo, e colocar lá o horizonte da melhoria, oficializando o aumento atual das médias como ritmo oficial de crescimento. Como bem argumenta Daniel Cara, o ensino médio não é responsabilidade direta do governo federal – ele só avalia. São os Estados os responsáveis diretos pelo ensino médio, entretanto, se as médias caíssem, os Estados transfeririam rapidamente a responsabilidade para o governo federal e a mídia aplaudiria.

Maria Helena Castro, agora na oposição, foi enfática em afirmar que o ENEM não mede a rede de ensino e nem as escolas, apenas o aluno. Está correta se adicionarmos que faz isso “mal e porcamente”, pois confunde-se neste país notas altas em testes com qualidade da educação. O ENEM mede mais o grau de preparação dos estudantes para o teste do que as próprias competências que se propõe a medir. Ele, agora, é um vestibular unificado. Mas isso certamente será ignorado ou virará nota de rodapé nas reportagens.

Sem cálculo de valor agregado, é impossível ter uma visão mais clara do que ocorre no ensino médio e nas suas escolas públicas e privadas. Sem ampliar o leque de medidas, ficamos restritos aos testes de competências em determinadas disciplinas – sem falar que estamos lidando com um fenômeno multidimensional, medido por gambiarras unidimensionais, cuja “saúde” técnica desconhecemos por falta de relatórios técnicos.

Mais ainda, o ENEM tem participação voluntária e sua taxa de participação está em 56%. Os dados que temos, provavelmente, revelam a posição dos 56% mais motivados a continuar seus estudos em nível superior. É os outros 44%? Que dados temos deles? Não seriam estes os que mais precisariam crescer. O que tem o ENEM a dizer sobre estes 44% que pudesse reorientar o trabalho das escolas?

Se a prometida divulgação da escala de desempenho for cumprida, ainda poderemos tirar alguma significação pedagógica das médias divulgadas. Mas isso não informa uma posição enquanto rede de ensino ou mesmo enquanto escola, pelos limites que o ENEM possui.

Aguardemos para ver qual o tratamento que o INEP dará aos questionários de contexto que acompanham o teste e que poderiam revelar, por exemplo, o nível socioeconômico dos alunos que compareceram. Qualquer análise educacional parte deste dado.

A despeito de tudo isso, o ENEM continuará a ser considerado “uma avaliação do ensino médio” e as escolas públicas continuarão a ser comparadas com as privadas a partir dos dados do ENEM etc. etc. A mídia e seus “especialistas” se encarregarão disso e o INEP, cuja ausência de estudos sobre os dados que detém é gritante, continuará assistindo, reduzido à dimensão de um órgão que contrata empresas privadas para aplicar testes, sobre os quais não pensa.

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About Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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