O projeto Moro, a militarização de escolas e privatização

Com o projeto de Moro para endurecer o combate à criminalidade, somado à militarização de escolas proposta por Bolsonaro, e as privatizações (de prisões, escolas etc) de Guedes, já se pode ter uma ideia para onde vamos: estamos criando uma linha direta que vai das escolas para as prisões – destino final para boa da juventude pobre e negra. A variante é o cemitério.

É preciso lembrar que a elite financeira brasileira apelou para o neoliberalismo como último recurso para manter suas taxas de acumulação de riqueza e sabe que a desigualdade vai aumentar, produzindo uma sub-classe de segregados. Para ela, está sub-classe não tem “mérito”, e portanto, não tem direitos legítimos a reivindicar. Note-se que sob o neoliberalismo, a desigualdade é equivalente a “falta de mérito”, assim como a riqueza é derivada do “mérito”. Sem mérito, sem direitos reconhecidos.

O autoritarismo acompanha o neoliberalismo na medida em que esta “massa de fracassados” precisa ser controlada para não sensibilizar os legisladores a atuarem a seu favor e, além disso, precisam ser controladas em sua revolta. O autoritarismo é o que une os conservadores, os neoliberais e os militares no governo – apesar de suas diferenças teóricas. Estamos diante de uma política social de “controle de danos” produzido conscientemente pelas teses do darwinismo social neoliberal.

A classe média clama por medidas de combate à criminalidade, a qual crescerá com o aumento da desigualdade – ou seja com o aumento das “massas fracassadas” da revolução 4.0. A solução está sendo apresentada por Moro: prender mais gente por mais tempo. O populismo de direita vai prometer à classe média mais tranquilidade punindo mais, por mais tempo e liberando armas para a população.

Como apontou Drauzio Varella:

“Frases como “lugar de bandido é na cadeia”, “tem que acabar com benefícios que encurtam penas”, “vamos reduzir a maioridade penal” e, principalmente, “preso precisa trabalhar para pagar os custos da prisão” soam como música aos ouvidos da sociedade acuada pela violência.”

Aqui, vai se cuidar da febre e não da causa da infecção. Mas a classe média vai gostar deste populismo de direita e, como diz o próprio Varella, antes que os “idiotas de internet” digam que estou defendendo bandido, é bom dizer que não é nada disso. Estou defendendo que se pare de criar bandidos com uma política que beneficia cada vez mais o enriquecimento das elites e o empobrecimento da maioria da população.

As ações que estão sendo proposta pelo governo têm várias conexões a serem exploradas. Por exemplo, o projeto de Moro, aparentemente não fala diretamente em privatização das prisões. Mas  o projeto do Ministro da Economia, Paulo Guedes – o vovô neoliberal saudoso de Pinochet – está baseado na destruição do Estado e na privatização de tudo que puder ser privatizado. Seu seguidor em São Paulo, João Dória, já anunciou que vai privatizar as prisões do estado que administra. O terreno está sendo preparado.

Recentemente escrevemos que onde entra a privatização, ela secundariza objetivos sociais e os submete a objetivos materiais: a geração do lucro. Portanto, se uma unidade prisional fica com presos acima do número estipulado, tanto melhor, pois o número de presos é um elemento da definição de quanto a contratada recebe. Prevalece o lucro e não a condição social a que são submetidos os presos. O pagamento é por pessoa presa e quanto mais melhor. Mais ainda, como mostram os dados americanos sobre privatização de prisões, se as penas são mais longas, tais contratadas, adoram, pois os presos ficarão mais tempo dando lucro nas prisões – melhor ainda se trabalharem para pagar a conta.

Sobre estas questões Ravitch alerta em seu blog:

“Não se engane: o propósito da privatização é fazer lucro. A promessa da privatização é a eficiência. Mas na sua busca por lucro e eficiência, a privatização cria incentivos perversos. Ela incentiva a gestão privada de escolas charter a evitar ou se livrar de estudantes “caros” (a menos que a fórmula de reembolso torne rentável mantê-los), incentiva hospitais com fins lucrativos a diagnosticar pacientes e realizar cirurgias desnecessárias, incentiva os prestadores privados de educação especial pré-escolares a diagnosticar erradamente crianças como se necessitassem de serviços especiais para aumentar seus lucros (veja aqui). E incentiva gestores privados de prisões a manter a população carcerária tão grande quanto possível, uma vez que uma cela vazia é uma cela que não produz receita.”

Sobre as consequências da privatização de presídios, o Boletim da Conjur aponta que o lobby da privatização de prisões defende, hoje, nos Estados Unidos, um conjunto de medidas jurídicas para não deixar seu faturamento cair:

“1) Sentença mais longas. As sentenças nos EUA já estão entre as mais longas do mundo. E isso, ao lado da pena mínima, seria uma das razões para os EUA terem a maior população carcerária do mundo. As estatísticas revelam que os EUA têm 25% da população carcerária do mundo, enquanto a população do país representa apenas 5% da população mundial. 2) A aprovação de leis que requerem sentença mínima, independentemente das circunstâncias. Esse tipo de lei já existe nos EUA para qualquer tipo de delito com uso de arma. 3) Uma grande expansão do trabalho de prisioneiros, criando lucros que motivem o encarceramento de mais pessoas por períodos maiores de tempo. 4) Mais punição para os prisioneiros, de forma a prolongar suas sentenças. Hoje, os prisioneiros já podem ter suas penas aumentadas em 30 dias, em caso de qualquer ação que possa ser qualificada como má conduta ou quebra de regra da prisão.”

Na outra ponta, o programa de Bolsonaro propõe a militarização das escolas e o endurecimento na disciplina escolar, acompanhado de privatização da educação por vouchers e charters, o que tenderá a eliminar estudantes mais pobres e principalmente negros da escola básica criando uma linha direta escola-prisão.

Nos Estados Unidos, o aumento do controle disciplinar nas escolas tem sido considerado danoso para a educação dos jovens e criado uma “linha direta” entre as escolas e as prisões, o que levou a Associação Nacional de Educação americana (2016) a se manifestar sobre a prática:

“Linha direta da escola para prisão significa o uso de políticas e práticas que estão direta e indiretamente empurrando estudantes negros para fora da escola e colocando-os no caminho para a prisão, incluindo, mas não limitando-se a: políticas severas de disciplina escolar que abusam da suspensão e expulsão, aumento do policiamento e vigilância que cria ambientes parecidos com prisões nas escolas, excesso de confiança no encaminhamento para a aplicação da lei e no sistema de justiça juvenil, e um ambiente acadêmico voltado para testes de alto impacto e alienantes.”

A escalada da violência nos Estados Unidos tem, obviamente, outras causas além dos processos de privatização das escolas, mas a exigência de níveis mais altos de desempenho dos estudantes nas escolas, pela reforma empresarial, tem lavado ao aumento do controle disciplinar e à segregação dos estudantes de origem mais pobres e negros (Scott, Moses, Finnigan, Trujillo, & Jackson, 2017) e certamente favorece e acaba por justificar tais ações.

Um estudo de DeJarnatt, Wolf & Kalinich (2016) afirma que:

“(…) o Chicago Tribune relatou que, durante o ano letivo de 2012-2013, as escolas charters [terceirizadas] de Chicago expulsaram os estudantes de forma muito mais alta do que as escolas públicas de Chicago. Eles relataram que, para cada 10.000 alunos, as escolas charter expulsaram 61 alunos enquanto as escolas públicas expulsaram 5. O Boston Globe relatou de forma semelhante que as escolas terceirizadas de Massachusetts tinham maior probabilidade de suspender ou expulsar estudantes. O artigo cita uma escola charter de Boston que submeteu quase 60% de sua população estudantil a suspensão durante o ano letivo de 2012-2013” (p. 22).

A escalada de violência, por vários motivos, faz com que, hoje, mais que nunca, se debata nos Estados Unidos a colocação da polícia no interior das escolas, ao lado do endurecimento nas regras disciplinares destas. O saldo é apresentado por Sam Sinyangwe, diretor do Projeto Mapping Police Violence (Giroux, 2018):

“Os dados (…) que existem (…) mostram que mais policiais nas escolas levam a mais criminalização dos estudantes e, especialmente, estudantes negros e pardos. Todos os anos, cerca de 70 mil crianças são presas nas escolas … [Além disso] desde 1999, 10 mil policiais adicionais foram colocados nas escolas, sem impacto na violência. Enquanto isso, cerca de um milhão de estudantes foram presos por atos que seriam punidos anteriormente com detenção ou suspensão, e os estudantes negros têm três vezes mais chances de ser presos do que seus pares brancos. ”

Os planos de Moro, somados aos de Bolsonaro e Guedes sugerem que estamos trilhando o mesmo caminho.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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