Transparência na avaliação

Postado originalmente na Uol em 24/07/2010

O grande equívoco da política educacional do Governo Lula foi implementar a Prova Brasil e o IDEB. Antes, tínhamos a centralidade do SAEB o qual, sendo amostral e não censitário como a Prova Brasil, impedia que se estabelecessem alto impacto associado à avaliação para cada escola. Com a Prova Brasil, o longo braço do INEP passa a monitorar cada uma das escolas, individualmente. Com isso, associa-se a cada escola uma meta IDEB, que a imprensa transforma em valor social.

É claro que alguns Estados e Municípios já vinham praticando este tipo de avaliação, mas assumir esta política ao nível Federal, incentivou a oficializou a associação de alto impacto aos processos de avaliação.

Contraditoriamente, no interior do próprio INEP, outra orientação – com apoio da Secretaria de Educação Básica – gerou a Provinha Brasil. Em minha opinião, este era o caminho correto. A Provinha Brasil é um instrumento que é colocado à disposição das escolas e professores, sem que seja associado a ela quaisquer consequências, além daquelas que a própria escola ou o professor estabeleçam. Como é aplicada e corrigida pela própria escola, não movimenta a indústria da avaliação.

Com a Prova Brasil, a indústria dos exames e testes objetivos foi ampliada. Ganhou escala. Grandes comporações como a Santanilla (Espanhola) já estão chegando para operar no Brasil. O mercado educacional movimenta-se, como se viu com a recente aquisição do COC pelo Financial Times.

A lógica dos negócios prepara-se para entrar no campo da educação: apostilamento, franquias, avaliações por testes, material didático preparatório para testes, editoras ( o grupo Santanilla controla a Ed. Moderna, p. ex.), empresas de prestação de serviços para recuperação de alunos com dificuldades, etc.

Desde 1983 os Estados Unidos estão trilhando este caminho. Desde 1995, quando se começou a medir o desempenho do sistema educacional americano, não há mudanças significativa em tais desempenho, como já comentamos antes aqui.

Porém, a lógica dos negócios tem sua própria motivação. O campo da avaliação de larga escala está, agora, nas mãos de profissionais que fazem pesada interface com os negócios e com os políticos que ocupam cargos nas secretaria de educação, prefeituras, etc. Uma perigosa coalizão entre conhecimento, política e negócios está sendo formada. E o que é pior, as Universidades não têm como controlar a qualidade desta coalizão, pois ela tem tecnologia e caminhos próprios.

Protegida pela iniciativa privada, nada se sabe de seus métodos de trabalho, frequentemente registrados apenas em relatórios técnicos sigilosos, quando existentes. São dados a conhecer os resultados, mas sem indicação precisa dos problemas ocorridos durante a obtenção e processamento dos dados. Não raramente, os resultados são “ajustados” para atender interesses políticos, como também já comentamos antes.

Urge que as entidades científicas e governamentais criem instrumentos legais, que pressionem, como se fez com as pesquisas eleitorais, a publicização dos métodos de trabalhos das corporações que são contratadas pelo poder público para realizar avaliações de larga escala. Deveria tal legislação exigir que se publicassem, junto com os resultados, os relatórios técnicos metodológicos e de processamento dos dados. As agências de avaliação estatais deveriam ser obrigadas a manter em seus sites informações precisas e amplas sobre seus procedimentos de avaliação (delineamento de obtenção de dados, indicadores de calibração dos itens versus dados reais obtidos na aplicação dos mesmos, indicadores de discriminação e dificuldade dos ítens utilizados, prova de que os testes controlam vieses de raça, culturas, etc., relatório de dados faltantes, procedimento de construção das escalas de desempenho com os itens considerados âncoras nas escalas, banco de dados e tratamentos de variáveis eventualmente realizados, dicionário de variáveis, entre outros). Deveria também exigir que um relatório amplo desse conta dos resultados por classe social, por gênero, por raça entre outros cortes, além da disponibilização das bases de dados (e seus relatórios técnicos de confecção) em formato transparente e utilizável por pesquisadores independentes.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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