SP: antidoping nas escolas?

A questão do uso da Ritalina (Metilfenidato) nas escolas é um fenômeno conhecido. Parabéns ao Haddad por enfrentá-lo. Melhor ainda seria se tivéssemos ido mais diretamente a uma das causas da ampliação de seu uso nas redes públicas (a competição e pressão gerada pela corrida às metas do IDEB e outras avaliações). Mas valeu.

No esporte, criou-se a figura do antidoping para barrar o uso de medicamentos que alteram o desempenho dos competidores ilegalmente.  O que se discute aqui é o uso indiscriminado do remédio, sua generalização para atender a pressões de desempenho seja da família ou da escola que visam aumentar a atenção da criança em sala de aula para elevar, posteriormente, o desempenho da criança nos testes. Segundo alguns, o medicamento tem implicações para o próprio crescimento da criança.

É louvável a iniciativa de Haddad. Há alguns meses publiquei um post por aqui sobre esta questão. E antes dele já havia tocado no assunto mostrando a dimensão internacional que ele tem. Os Estados Unidos vivem o mesmo problema, afinal a política pública de avaliação vai na mesma direção.

Um médico americano é bem claro:

“Eu não tenho muita opção”, disse Anderson, um pediatra de muitas famílias pobres no condado de Cherokee, ao norte de Atlanta, nos Estados Unidos. “Nós como uma sociedade decidimos que é muito caro modificar o ambiente no qual a criança se encontra. Então, temos que modificar a criança”.

No Brasil, como indiquei em post anterior, considero a situação alarmante:

“A Ritalina (Metilfenidato) indicado para combater a “hiperatividade” e que prejudica o crescimento das crianças teve 3.880 indicações em 2005, e em 2011 passou para 83.400 indicações, só na cidade de Campinas (SP).

No Brasil, o número de caixas vendidas deste princípio ativo saltou de 71.000 em 2000 para 2.000.000 em 2010 (www.idum.org.br).

Na rede pública de São Paulo as indicações deste medicamento saltaram de 45.320 em 2005 para 702.942 em 2010 e para 2011 estima-se que tenha chegado a mais de 1.000.000 .”

Esta é a dimensão do problema. De há muito sabemos da predileção de docentes e diretores pela medicalização dos problemas escolares quando submetidos a pressão dos testes.

Estamos gerando uma “educação de alto rendimento”, parafraseando tempos de copa. E como lá, no esporte, aqui também temos nosso doping (substância química que se ministra ilicitamente a um atleta, a fim de alterar-lhe por momentos o condicionamento físico, aumentando-lhe a resistência e o desempenho muscular, diz o dicionário).

Haddad mexeu com a corporação médica. Vão gritar. A mídia vai condenar Haddad ou no máximo se abster. Cabe perguntar, aqui, pelo direito da criança aprender livre de doping. É fato corriqueiro que a escola é chata, não encanta as crianças, desmotiva, quebra a autoestima. E muitos querem resolver este problema aumentando a concentração e a atenção da criança na sala de aula a partir de medicamentos.

A medida de controle indicada por Haddad não retira o médico, apenas compartilha a decisão com outros profissionais. O que é correto. Mas será considerada absurda pela corporação médica. A Prefeitura Municipal precisa envolver os pais nesta luta, divulgar os dados e os riscos da medicação – inclusive no cenário internacional.

Temos literatura sobre isso também:

Moisés, M. A. A institucionalização invisível: crianças que não aprendem na escola, Campinas: Mercado das Letras, 2008; Collares, C. A. L.;

Moyses, M. A. A. e Ribeiro, M. C. F (Orgs.) Novas capturas, antigos diagnósticos na era dos transtornos. Campinas: Mercado das Letras, 2013;

Conselho Regional de Psicologia (SP), Medicalização de crianças e adolescentes: conflitos silenciados pela redução de questões sociais a doenças de indivíduos. SP: Casa do Psicólogo, 2011.)

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About Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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