Mais Educação ou mais ensino?

Um estudo financiado pelo Banco Mundial e pela Fundação Itau Social quer mostrar que o Programa Mais Educação do MEC não melhora a nota do aluno em português e matemática. Cabem duas questões: Primeira: por que ele teria que melhorar médias de português e matemática? Segunda: não teria melhorado outros aspectos da escola que não foram quantificados pelos exames nacionais destas duas disciplinas, por exemplo, as tais habilidades socioemocionais que vivem sendo alardeadas pelos reformadores como necessárias?

Segundo o estudo, além de não aumentar as médias, o programa não diminuiu o abandono escolar e acabou diminuindo a nota de matemática. Tudo na conta do Mais Educação.

O Mais Educação foi concebido para ampliar a jornada escolar para pelos menos sete horas por dia, oferecendo atividades optativas de acompanhamento pedagógico, esporte, lazer, cultura e outras. Não foi inventado necessariamente para aumentar médias.

Eis o problema dos estudos vinculados a entidades de advocacia de ideias feitos por fundações. Não raramente, eles são concebidos para demonstrar ideias consideradas “corretas” e não para investigar os fenômenos a que se propõem. No caso, o pressuposto equivocado é partir da proposição de que o Mais Educação deve necessariamente aumentar as médias de português e matemática.

No Brasil, com a chegada da lógica dos reformadores, tudo vira uma questão de aprender português e matemática. Resumem a escola a isso, quando interessa. Nesta ótica, a melhoria da escola se mede, portanto, pelo aumento da média dos alunos nestas disciplinas. É tanta devoção às médias, que se alguém mostrar que há um aumento das médias nestas disciplinas quando a lua é cheia, proporão ensinar apenas no período de lua cheia. Correlações de quantidades acabam virando causalidade.

O Mais Educação tem seus limites, sem dúvida. Mas é o único programa que ensaia reter o aluno na escola e força a caminhar na direção da educação de tempo integral com formação mais ampla, pelo menos. O conceito é insuficiente, mas é uma ação importante. Os reformadores questionam porque frequentemente trocam a concepção de educação por uma concepção estreita de ensino. É só ver a base nacional comum curricular que estão propondo. Melhorá-lo não é restringí-lo a fazer mais do mesmo em português e matemática como quer induzir o estudo.

Como toda política de massa, falta ao Mais Educação acompanhamento nas escolas, como os próprios autores do estudo sugerem. A diferença é que os autores querem mais acompanhamento vinculado a aumento das médias, o que modifica a finalidade do programa e o restringe.

Mas não é só este o foco dos pesquisadores do Itau e do Banco Mundial. No fundo, a função destes estudos é ajudar a demonstrar que a escola pública de gestão pública e os “programas sociais” que utilizam recursos públicos são ineficientes. Eles querem que sejam retirados e substituídos pela ação de ONGs, OSs e empresas educacionais que, segundo eles, mais eficientemente utilizariam os recursos públicos, bastando para tanto diminuir ou transformar a escola pública em escola privada pela via da terceirização de gestão. O mesmo Banco Mundial financia no Pará esta estratégia com a implantação de escolas charters. O mesmo pessoal que fez o estudo é o que defende os cortes de benefícios sociais e igualmente financiou em Pernambuco experiências de escolas charters.

O novo Ministro, sem saber o que acontece, pois nem tomou posse ainda, já adiantou posição: vai rever o programa para focá-lo mais no conteúdo. Pois está errado. A função do programa, embora não seja incompatível com o conteúdo escolar e até possa ser usado para fortalece-lo, não deveria se restringir a melhorar as médias de português e matemática. Quem disse que escola boa é a que tem maior média nestas disciplinas?

Precisamos olhar para a formação do estudante de forma mais ampla, para além do português e matemática e para além do conceito estreito de habilidades socioemocionais dos reformadores. O novo Ministro já começa pisando na bola. Melhorar o programa não é restringi-lo ao conteúdo de disciplinas específicas como ele e as fundações querem.

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About Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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11 Responses to Mais Educação ou mais ensino?

  1. Avatar de Rosa estevo Rosa estevo disse:

    Tem toda a razão!

  2. Avatar de Dagmar Zibas Dagmar Zibas disse:

    Pelo jeito, o Banco Mundial está voltando a ter o protagonismo que teve por aqui na década de 90. O objetivo é o mesmo. Menos verba para a Educação, o que seria suprido apenas por melhor gestão. Lamentável.

  3. Avatar de Alessandra Alessandra disse:

    Engraçado como os governantes querem q ensinam nossos alunos, essa educação nova não da base para o aluno em um vestibular e nem na prova do Enem, da uma olhada na educação brasileira é uma vergonha, falo isso porque sou educadora e estou na área.

  4. Avatar de Maria da Conceição da Silva Freitas Maria da Conceição da Silva Freitas disse:

    Espero que o “novo” ministro altere os procedimentos da sua primeira fase no Mec, e se aproxime dos trabalhadores intelectuais da educação, sem dar ouvidos 100% aos gestores da lucratividade.

  5. Pingback: Pesquisa publicada pela Fundação Itaú Social questiona o programa Mais Educação do MEC.TEIA | TEIA - Site do TEIA – Territórios, Educação Integral e Cidadania – grupo de pesquisa e extensão da Faculdade de Educação da UFMG.

  6. Avatar de Ana Paula Fernandes Pinto Ana Paula Fernandes Pinto disse:

    Professor, que alegria ler seu texto e perceber que ainda há lucidez e vontade de alguns para refutar estudos superficiais e pseudo academicos, que em nada contribuem com a educação pública.
    Penso que infelizmente o objetivo é cortar mais este programa, alegando sua ineficácia. E ai abrir as portas para o que sempre se desejou e praticou: entregar tudo para a iniciativa privada.

  7. Avatar de Franci Franci disse:

    Mais uma vez o capitalismo desenfreado decidindo em nome da Educação. O Banco Itaú precisa entender que não cabe a ele definir sobre assuntos que ele não conhece em sua origem.

  8. Avatar de Rogério da Veiga Rogério da Veiga disse:

    Prezado Freitas,
    É aceitável que um aluno fique 9 anos na escola sem aprender português e matemática?
    Att.,

  9. Avatar de Marcos Marcos disse:

    Melhor programa de educação de escola pública aqui no Ceará tá mudando o rumo de váriàs crianças tirando das ruas.

  10. Avatar de Franci Franci disse:

    Estamos vivenciando um período crítico na Educação do país. As empresas privadas , ONGS e Fundações estão assumindo o controle do MEC. Eles acham um absurdo o investimento realizado no Programa Mais Educação, segundo eles , o investimento precisa ser feito através das ONGS e Instituições privadas. Equívoco total!!!! O programa Mais Educação contribui com uma escola menos excludente e mais solidária. Os alunos sentem prazer em ír para a escola. Isso não tem nota.

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