IDEB: 10 razões que contrariam a “tragédia” anunciada

Que o ensino brasileiro não é a oitava maravilha do mundo, já sabemos e não é um fenômeno recente. Os educadores brasileiros vêm alertando os governos de há muito, sem sucesso. Os empresários somente mais recentemente, quando tiveram que fazer sua reestruturação produtiva e agora adequar-se às cadeias produtivas internacionais, descobriram que a escola não podia preparar o trabalhador que eles queriam. Não querem formação – querem preparação para o trabalho, só.

Os governos, por outro lado, quando olham para a educação, o fazem com o tempo da política – de olho nas próximas eleições. O resultado é que querem ações de efeito rápido em uma área que exige tempo, pois o passivo herdado do descaso histórico é enorme. Durante muito tempo, o nível educacional brasileiro baixo foi suficiente para os interesses dos empresários, agora eles se somam à pressa dos políticos.

Não é diferente o que ocorre com a divulgação do Ideb. Um governo que inicia, via de regra, se é de oposição, quer jogar a culpa dos problemas para aquele governo que o antecedeu. Com isso, cria a imagem de que não tem nada a ver com os problemas e que, ao contrário do governo que saiu, ele, sim, tem a solução. E uma solução pronta e rápida.

É assim que o governo Temer enfrenta os resultados do IDEB que divulgou nesta semana: transformando os resultados em uma “tragédia” e passando a culpa para quem acabou de sair do governo. Em meio ao caos anunciado, vem a solução: o “seu” projeto de reforma do ensino médio e a Base Nacional Comum Curricular que, agora sim, ele vai fazer direito. Como não dá para dizer que tudo está ruim, foca-se no ensino médio, que é onde se tem mais facilidade (e expectativa do empresariado) para atacar, face aos resultados históricos deste segmento. A mídia vai atrás repercutindo, como já aprendemos de outros carnavais.

Listo abaixo, só para contrariar, dez razões pelas quais os resultados do Ideb indicam que estamos melhorando (segundo a métrica usada hoje), ao contrário da visão catastrofista do governo Temer:

  1. O Brasil vem melhorando seu desempenho sistemática e consistentemente nas séries iniciais do ensino fundamental desde 2003. Isso é muito importante, pois trata-se da base da formação. Como podemos ter um ensino médio avançado, sem uma educação fundamental que dê base? O governo atual deveria agradecer. O Brasil é o país que mais cresceu nos últimos anos no ensino de matemática, segundo a OCDE.
  2. Neste mesmo ensino fundamental, nas séries iniciais, cerca de 70% das escolas melhoraram seu desempenho na atual edição do Ideb, quando comparamos com o Ideb anterior de 2013, onde houve 58% de melhora: um aumento de 12% em escolas que melhoraram.
  3. Ainda neste mesmo ensino fundamental das séries iniciais, o próprio Ideb das escolas públicas em média aumentou de 4,9 para 5,3. E no ensino fundamental das séries finais aumentou de 4,0 para 4,2. Não há queda no Ideb do ensino fundamental das escolas públicas.
  4. As escolas públicas diminuíram a distância de desempenho que as separava das escolas privadas. É fato que muito mais pelas privadas terem diminuído seu Ideb. Mas isto significa que a vida está difícil para todos, inclusive para as privadas, mas que, na adversidade, as públicas se saíram melhor – não caíram, cresceram.
  5. Mesmo no “caos” do ensino médio, o Ideb das escolas públicas, avançou de 3,4 para 3,5. Portanto, para as escolas públicas, também não há queda de Ideb no ensino médio.
  6. Embora o ensino fundamental e o médio sejam uma responsabilidade dos Estados e não apenas do governo federal, dos 27 estados brasileiros, 20 melhoraram o Ideb do ensino médio em relação a 2013.
  7. O Ideb de 2015 é igual ou maior do que o ideb de 2013 em todos os níveis de ensino  das escolas públicas (fundamental e médio).
  8. No ensino fundamental dos anos iniciais, na prova de matemática do 5º. ano, avançamos de 211 pontos nos testes de 2013 para 219 pontos no atual teste e na de língua portuguesa avançamos de 196 para 208.
  9. No ensino fundamental dos anos finais, na prova de matemática do 9º. ano, avançamos de 252 pontos em 2013 para 256 pontos em 2015 e em língua portuguesa avançamos de 246 para 252.
  10. No ensino médio, apesar de cairmos em matemática de 270 pontos em 2013 para 267 em 2015 aumentamos a média em português de 264 pontos para 267. Pode-se dizer que este é o único dado desabonador: a redução da média em matemática no ensino médio. Mas ele não anula os outros.

Finalmente, além destas, há outra razão mais importante para não nos aterrorizarmos: a medida escolhida não dá conta de toda a riqueza que acontece em nossas escolas. Fazemos muito mais do que isso, mas não captamos porque escolhemos a medida errada: olhar para o progresso das médias em testes padronizados. Aumentar médias de testes não significa aumentar necessariamente a qualidade da educação, mas se até com esta medida limitada, pífia diria, já podemos detectar alguns avanços, sem dúvida isso é surpreendente e alentador.

Para justificar a apologia ao caos, o governo centrou toda a argumentação em cima de “bater ou não bater metas” e deixou de lado todo e qualquer outro avanço. Esforço que não atinge meta, não tem valor para ele. Para a lógica empresarial em que “bater meta” significa garantia de lucro obtido, é preciso observar que no caso da educação é um pouco diferente. Meta atingida em duas disciplinas, não é necessariamente sinônimo de aumento de qualidade da escola: medida errada, conclusão errada – tanto para criticar como para elogiar. Mais importante que a meta atingida é o esforço que faz avançar.

Nada disto será dito pelo “novo” governo. Agora, trata-se de pintar o caos e, a partir do terror do caos, justificar toda sorte de medidas – por demais já tentadas em outros países – que não nos levarão para uma melhoria real da qualidade social das nossas escolas e de seus estudantes.

E a razão é simples. De certa forma, elas serão o aprofundamento dos desvios do governo anterior do PT. Durante anos temos feito a crítica das políticas educacionais do PT, exatamente pelo fato de que ela cedia ao canto da sereia das medidas fáceis dos reformadores empresariais, em vários pontos.

Se não avançamos tanto quanto queríamos é porque, juntamente com o passivo histórico acumulado que o PT recebeu, dentro dos próprios governos do PT conviveram medidas corretas juntamente com medidas equivocadas, que abriram as portas para a política dos reformadores dentro do governo (Reynaldo Fernandes, Moreira Franco, Ricardo Paes de Barros, Mangabeira Unger, Chico Soares – a lista é grande). São estas últimas que agora o atual governo quer resgatar e intensificar na base de medida provisória se necessário.

O lado reformista empresarial envergonhado do PT (com Mercadante à frente) se transforma agora em política educacional oficial, focada em metas, em resultados obtidos com medidas equivocadamente selecionadas para avaliar o fenômeno educacional. As políticas adequadas dos governos do PT serão esquecidas e aquelas equivocadas que apontavam para a reforma empresarial da educação vão ser revigoradas para dar lugar ao triunfo da visão de livre mercado na educação. Mais do mesmo ampliado, que agora se tenta justificar pelo “caos” que se teria instalado com o PT. Friedman explica.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
Esse post foi publicado em Ideb, Mendonça no Ministério, Meritocracia, Privatização, Prova Brasil, Responsabilização/accountability e marcado . Guardar link permanente.

7 respostas para IDEB: 10 razões que contrariam a “tragédia” anunciada

  1. Professor,
    Sinto que há motivos de sobra percebemos o grau de estagnação do ensino Médio. (Todos os alunos devem cursar as 12 matérias? Eu sofro pra tentar aprofundar qualquer tema no E.M por falta de tempo ) Quais reformas nessa etapa do ciclo escolar você acha absolutamente necessário?
    Att
    José

  2. MARLENE CORREIA NAKAYAMA disse:

    O IDEB , como qualquer avaliação externa, não condiz com a realidade da aprendizagem dos alunos das escolas sejam privadas ou pública.Como professora vejo que atualmente o ensino se resume em provas e simulados focados em metodologia das avaliações externas.Essa postura gerou uma competição cruel entre os sistemas educacionais e escolas.Gastam -se milhões/bilhões para com formação continuada visando a preparação de professores para este fim.

  3. Elaine-rosso@yahoo.com.br disse:

    Sinto muito.em dizer como professora que a Educação no Brasil, não está a beira do caos, infelizmente é um caos. Alunos que passam sem saber, devido a políticas públicas que não visam aprendizado e sim resultados. Me desculpem a franqueza, mas porque o aluno vai se preocupar em estudar se ele sabe que o sistema vai passar. Estamos lidando com EM adolescentes, que infelizmente não tem uma visão a longo prazo.. então…
    Outro ponto não sei como o governo Federal não tem vergonha de usar esse slogan, Brasil uma pátria educadora, onde que lugar porque eu desconheço. Um país que não investe na formação de professores jamais pode levar esse slogan. Esse profissional tem que trabalhar pelo em 2 escolas pra conseguir sobreviver e digo isso por experiência. O salário do final do mes mal da pra pagar as contas básicas… Quem se forma não tem as mínimas condições de ensinar, porque nunca aprendeu foi o sistema que o aprovou. Estamos no caos mas ninguém vai asumir.

  4. zelair santos goncalves disse:

    Eu também acho que o problema não esta no ensino mas na desvalorização do profissional da educação, não esta sendo mais possível se ter um ensino de qualidade quando um professor tem que ser pai e mãe antes de ser professor,pois pra dar inicio a explicação de um conteúdo temos de ensinar aos alunos a saber ficarem quietos e se respeitarem uns aos outros,não cabe a nos professores esse tipo de educação,e como disse a colega o aluno não mais se interessa pelo estudo pois sabe que o sistema vai fazê-lo passar, por isso eles conversam,discutem e até mesmo brigam por coisas da rua, e o coitado do professor tem que suportar e até mesmo apanhar deles, porque eles não tem o mínimo respeito pelo professor, tem aluno que até diz “eu nunca vou querer ser professor” porque se indignam com tanta falta de respeito. Será que nosso salário é tão bom pra que aguentemos tudo isso,acho que é porque necessitamos e não temos outra opção!!! Alguns até porque investiram muito pra agora desistir!!! O erro está nas leis que vocês criam!!! Tem de haver mais rigidez,mais deveres menos direitos aos alunos, as leis do Brasil tira os direito dos professores e dão aos alunos, isso é um absurdo!!!! Por isso eles perderam o respeito pelo professor!!!!

  5. Que alento ler dados e uma análise que realmente contrapõem o “caos pintado” e infelizmente até repetido por professores aqui nos comentários…sem a reflexão de que o desinteresse está atrelado a uma conjunto de fatores (inclusive a aula desinteressante).
    Parece que todos querem resultados rápidos e receitas mágicas onde como foi dito é “uma área que exige tempo, pois o passivo herdado do descaso histórico é enorme.”
    Ultimamente tenho sentido um desânimo até em discutir/ argumentar com algumas pessoas que deveriam ler mais, pois exigem isso dos alunos e “vendem” que estudar é importante para a vida toda (mas não o fazem). Contudo também são vítimas…

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