A salsicha e o cachorro: a regulação de Doria

O novo prefeito de São Paulo vai criar agências reguladoras para controlar a privatização inclusive da educação. Isso, ao contrário do que ele argumentará, é uma forma de retirar  o controle da sociedade sobre as redes de ensino e sobre as escolas, transferindo-o para agências supostamente “técnicas”.

A sociedade paulistana vai ter que ficar esperta e ir além disso, pois precisa garantir que haja nas escolas privatizadas as mesmas exigências feitas às escolas públicas e, de fundamental importância, garantir que nelas também exista a gestão democrática com participação social – e não só das mantenedoras ou agências reguladoras como quer o novo prefeito.

As agências reguladoras são farinha do mesmo saco do mercado. Elas sequestram a participação e o controle social do público e internalizam relações de controle “entre amigos”. Elas falam a linguagem do mercado e não a dos interesses dos cidadãos.

Nunca foi tão importante garantir a gestão democrática nas escolas paulistanas- inclusive das atuais e futuras terceirizadas. Adianto que estas farão de tudo para escapar tanto das regras que regem a escola pública, como da gestão democrática. Esta história de colocar agências reguladoras para controlar já é uma forma de evitar a gestão democrática e colocar o controle social sob tutela de agências corruptíveis.

Os liberais têm uma fé inabalável no mercado e na regulação. Mas geralmente quem faz a regulação são pessoas do próprio mercado ou com ligações perigosas com ele. A lógica do mercado inclui a corrupção como princípio e meio de seu funcionamento. É a guerra diária entre corporações. Ninguém liga porque é feita com dinheiro privado. Quando entra dinheiro público, vira lava-jato. Mas só neste caso.

Tanto é assim que a lei que pune corrupção, agora inclui o corruptor, ou seja, o próprio agente do mercado e não apenas o servidor público envolvido. O dinheiro vem de dentro do próprio negócio realizado e não poderia existir sem a concordância dos empresários. Se os empresários quisessem, eles acabavam com a corrupção imediatamente no Brasil, é só não receber/dar dinheiro e denunciar. Mas, fala mais alto a necessidade de abrir mercado. Esta é a principal fonte da corrupção: a própria dinâmica da disputa por mercados. Só que lá no mercado se dá o nome a ela de “lobby”.

Doria anuncia que vai criar agências reguladoras municipais. Não é nada novo. Isso já existe em países que praticam diariamente o que ele quer fazer aqui, ou seja, a privatização, ou entrega do governo para corporações privadas. Uma maneira fácil de ser “gestor”. Dória pratica a dupla negação: nega ser político e depois nega ser gestor, pois não gere, entrega a outros para gerir.

“O prefeito eleito João Doria (PSDB) vai criar agências reguladoras municipais para fiscalizar empresas prestadoras de serviço e organizações sociais que cuidam da gestão de equipamentos públicos. O objetivo é repassar aos órgãos a responsabilidade pelo acompanhamento das metas a serem impostas à iniciativa privada no pacote de concessões e privatizações anunciado pelo tucano, como a venda dos complexos de Interlagos e do Anhembi, além de supervisionar os concessionários atuais na limpeza, iluminação e transporte público.”

Leia mais aqui.

Além de ter as agências reguladoras para vigiar as privatizações, será preciso fiscalizar as próprias agências reguladoras. É aí que entra a gestão democrática das escolas e das redes de ensino.

Os Estados Unidos privatizam a educação há mais de 20 anos. Isso não melhorou a educação, porque a privatização da educação não é uma reforma educacional e sim uma reforma administrativa/financeira, destinada a gastar menos. Também não levou aquele país a ter mecanismos eficazes de controle do mercado, simplesmente porque o mercado é incontrolável. Ou burlam a regulação e a amenizam ou quando não conseguem e a regulação aperta demais para garantir os interesses do cidadão, eles abandonam aquela área de mercado e procuram outra. Fazem isso com países também.

Conforme informou Diane Ravitch nesta semana:

“Em uma inacreditável guinada de eventos, o Escritório Federal da Inspetoria Geral emitiu um aviso de que as escolas charters representam um risco para as metas do Departamento de Educação [americano]”.

Leia aqui.

“Além disso, o relatório da inspetoria geral descobriu que o Departamento de Educação não tem controles internos eficazes para monitorar, avaliar e mitigar esses riscos, nem garantir que os departamentos estaduais de educação supervisionem as escolas charter e as suas organizações de gestão.”

Como um país que privatiza há décadas não consegue ter controle das privatizadas? É porque, como descobrirá Doria, não é tão fácil assim lidar com o mercado. Aliás, o novo prefeito está dando diariamente demonstrações de ingenuidade administrativa, para dizer o mínimo. É o que ocorreu com o anúncio populista do congelamento das tarifas de ônibus. Vai gerar dívida extra que pode chegar a 2 bilhões e além disso colocou Alckmin na fogueira, pois ele terá que reajustar as tarifas dele, enquanto a prefeitura não o fará.

Com o desenvolvimento da privatização no Brasil o mais provável é que a lava-jato vai migrar para as áreas privatizadas. Isso tende a acontecer quando se coloca o próprio cachorro para tomar conta da salsicha. O antídoto é a gestão democráticas nas redes de ensino e escolas.

Para quem quiser ver o que é a privatização em ação em um país que é a meca da privatização da educação há décadas, os Estados Unidos, clique aqui.

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About Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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