Um artigo de Ricardo Semler sobre o ENEM – Truque sujo no Enem – na Folha de SP de hoje (6-11-16) destrói o senso comum com que os referidos exames têm sido laureados pelos governos, empresários e pela mídia. Ricardo, que é empresário, já surpreendeu outras vezes (veja aqui), mas desta vez está melhor ainda.
Começa por mostrar como indústrias educacionais como o Objetivo, têm pequenas filiais com 40 alunos, que ao participar do ENEM aparecem em primeiro lugar no ranking. No entanto, quando se considera a escola real do Objetivo com 280 alunos participantes no ENEM, sua classificação cai para o 547º lugar – ou seja, não muito diferente da qualidade apontada para as escolas públicas. E como ele bem afirma, o Objetivo não está só nisso. Existe também a Plataforma Eleva, que tem por trás Jorge Paulo Lemann, o magnata da cerveja, que segundo Semler “não se deu conta do que estão fazendo em seu nome”.
Esse tipo de denúncia não é novo e já apareceu em outras edições, mas não há como coibir este uso indevido do ENEM. A lógica dos negócios fala mais alto. A solução proposta por Semler seria o governo não processar a nota destas escolas que são de um mesmo dono de forma separada e sim agregada. Há que ver se o juiz concorda. Tudo neste país sempre termina na justiça.
Um trecho do artigo é especialmente importante:
“Interessante observar que os empresários estão mandando cada vez mais na educação. Os do ramo e, nos últimos dez anos, também os de fora do ramo. Uma coleção de entidades empresariais, cada qual com sua vaidade pessoal, tem “ensinado” que a boa educação depende de boa gestão. Isso contudo é uma balela.”
Dito por um educador, não teria o mesmo efeito que tem na boca de um empresário. Seria considerado uma defesa corporativa da área educacional.
Semler também detona o ranking do PISA:
“Não que o Pisa seja isento da mesma fraude. É só olhar a progressão: no começo, tinha Finlândia lá em cima, como também Suécia, Suíça e Holanda. No último ranking, só dá ditadura. Dois terços dos primeiros dez lugares são tomados por países em que não há liberdade para o aluno escolher ou ser feliz. As nações asiáticas dominam o ranking, e o massacre dos jovens é imperioso.”
O artigo põe em relevo que muitos alunos da Coreia do Sul têm um turno triplo envolvendo oito horas de escola, seguidas de mais quatro horas de cursinho e ainda com lição de casa. Ao final a pergunta fatal: “Afinal, queremos formar cidadãos livres e pensantes ou seguir o Enem e o Pisa no embate com conteúdos e rankings embrutecedores?”
O mesmo poderíamos dizer do IDEB. Este questionamento recoloca a questão do critério para se definir o que entendemos por qualidade de ensino. Enquanto continuarmos a acreditar que nota mais alta em testes nacionais ou internacionais é sinônimo de boa educação, estaremos fadados a louvar rankings e adoecer a nossa juventude com baterias de testes e simulados. Nos Estados Unidos, a juventude das grandes cidades convive com a realização de em média 112 testes durante a educação básica. Nem por isso o país melhorou no PISA nos últimos 12 anos.
Vale a pena ler o artigo de Ricardo Semler. Encontrar um pouco de lucidez funciona como um oásis que reabastece nossa capacidade de enfrentar a pesada leitura na mídia diária com economistas, gestores e empresários do ramo e fora do ramo, e outros “especialistas” cada um com suas notáveis ideias sobre como reformar o ensino no Brasil, para elevar a nota do país nos rankings – a começar do pessoal do MEC.
Apesar das importantes e contundentes informações, penso ser prudente não esquecer que se trata de uma reflexão também interessada, de alguém responsável pelo Instituto Lumiar, que de certo modo também disputa mercados com as iniciativas do Eleva, do Gera Venture, etc.