BNCC: primeiros impactos nos materiais didáticos

Os produtores de material didático ensaiaram uma primeira reação às exigências do MEC para articular estes materiais à Base Nacional Comum Curricular, nesta fase de transição para a nova BNCC. Esta base tem 60% de conteúdo obrigatório, portanto, os livros ou outros materiais que quiserem contar com verbas do governo deverão se enquadrar. Neste sentido, minuta de um edital já está disponível: Edital de convocação para o processo de inscrição e avaliação de obras didáticas para o programa nacional do livro didático PNLD 2019.

A questão polêmica refere-se ao ponto 5.5 do possível edital que afirma “O editor se compromete a fazer adequação da obra quando da publicação da Base Nacional Comum Curricular a partir de notificação ou convocação específica do Ministério da Educação”.

Matéria de hoje nos jornais apresenta o problema e a reação do próprio MEC. Como pretendem ampliar o ciclo de vida dos materiais de 3 para 6 – já que base é base, e obrigatória – então não poderiam contratar livros ou materiais didáticos sem que fosse introduzida a exigência aos produtores de adequar os materiais ora contratados à BNCC futura.

Além disso, o material está sendo licitado para ser usado em 2019, quando então a BNCC já estará definida. Portanto, ou não se faz licitação agora e se espera o final da Base no CNE (se não for para o Congresso), o que atrasaria o processo de entrega dos materiais às escolas, ou então, se faz uma transição e se exige a adequação dos materiais à BNCC quando estiver pronta. O MEC está escolhendo a segunda opção. Os editores terão que estimar custos no escuro, sem saber as exigências finais da base. Alguns deles sugerem dar mais tempo para a fase de apresentação das propostas.

Esta pressa se deve ao fato de que é o material didático que vai pautar a atuação do professor em sala de aula, obrigando-o a enquadrar-se nos ditames da BNCC. Para a visão cartesiana do MEC, isso é reforma curricular.

Antes da BNCC os editores (e professores) tinham uma margem de manobra maior na questão do conteúdo, agora, além dos conteúdos definidos (baseados em competências) terão ainda definido o próprio sequenciamento dos conceitos envolvidos nos conteúdos. E de quebra, a questão das habilidades socioemocionais. Acabou a fase da “criatividade”, agora é material padronizado, para ensino padronizado e que deve apoiar uma avaliação padronizada. Tudo voltado para aumentar a nota do IDEB. No conceito de educação do MEC, nota mais alta é sinônimo de boa educação, e se você quer melhorar o desempenho nos exames, deve-se ensinar aquilo que cai na prova. Portanto, é preciso estreitar o ensino nas habilidades esperadas e que serão avaliadas. A consequência para os editores e professores era esperada. Para os estudantes, a consequência é o estreitamento curricular e o treino para os testes.

Para os editores este é só o primeiro e talvez não seja o mais importante impacto. Em seguida, virá a disputa pelos materiais on line e, agora, como a produção tem escala nacional, as grandes corporações (p. ex. Pearson) já estão se posicionando no mercado. Penso que muito produtor vai ficar de fora principalmente quando as plataformas e materiais digitais se tornarem frequentes. Isso não significa que a disputa no campo dos materiais impressos será menor. Quem opera em um, pode operar também no outro.

Impacto semelhante é esperado também no campo da avaliação. As terceirizadas do INEP devem se preparar. Avalia-se pelos conteúdos anteriores ou pela BNCC? Do ponto de vista da elaboração em si da avaliação, não é tão complicado, pois parte-se dos objetivos e das competências. Mas e os estudantes? Eles aprenderam nos anos anteriores à implantação da Base com um conteúdo e, agora, estarão continuando a aprendizagem com outro. Por qual ele será avaliado? Um erro nesta transição, e os índices do IDEB vão cair. Uma das consequências será preparar os alunos para os testes através de simulados em plataformas digitais (já disponíveis) aumentando a pressão sobre a juventude e a segregação.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
Esse post foi publicado em Ideb, Mendonça no Ministério, Prova Brasil, Responsabilização/accountability e marcado , , , . Guardar link permanente.

3 respostas para BNCC: primeiros impactos nos materiais didáticos

  1. Áurea disse:

    Professor,

    Tudo isso é gravíssimo!!!
    Pode parecer detalhe, mas… Quem é o(a) infeliz que decidiu que o ciclo de vida de um material (livro didático) poderá ser de 6 anos???
    No formato atual 3 anos já é muito difícil a conservação. Os livros não vão durar.

    Triste….

  2. Olá professor Luis Carlos,

    Sou doutoranda na FEUSP e estou como visitante na Universidade da Califórnia. Mês passado, teve reunião na escola do meu filho em uma escola pública em Los Angeles para tratar do teste que as crianças iriam fazer.
    O nome do teste é Smart Balance Assessment Consortium e mede a proficiência das crianças em matemática e inglês. Daqueles que os reformistas educacionais adoram: alinhado a Base Comum Curricular daqui ( chamado Common Core), capacidade de medir o conhecimento das crianças com precisão, conectado às exigências do mercado de trabalho do século XXI,… Todo esse discurso aparece nitidamente no site do teste.

    Durante todo esse mês o professor preparou os alunos o máximo possível para o teste, vários simulados foram realizados na escola e nos indicaram um site para que ele realizasse esses simulados também em casa para treinar para o teste.

    Ao mesmo tempo, percebo que as relações entre as crianças são extremamente complicadas: xingamentos, assédios, desrespeito fazem parte do cotidiano da escola. Algumas famílias verbalizaram isso ao longo do semestre. Tivemos uma reunião na escola e a diretora da escola verbalizou seu incômodo com as famílias que se preocupam com “a parte social” e não se incomodam com o aprendizado cognitivo das crianças, disse que o foco da escola não é o social e que as crianças precisam ter bom comportamento para aprenderem as matérias.

    Ouvir as crianças, suas famílias e professores tem sido relegado a segundo plano na elaboração do currículo e das políticas públicas aqui. São os testes, as medidas, o controle, os surveys os detentores da voz, não os sujeitos.

    Infelizmente esse modelo de educação tem sido referenciado e defendido no Brasil como princípio educativo. E a base nacional comum curricular só vai reforçá-lo.

    Aproveito para lhe perguntar se conhece experiências e movimentos de famílias que vem se contrapondo a esses sistemas de testagens aqui e se tem os contatos.

    Forte abraço,
    Janaina
    janaina.maudonnet@gmail.com

    • Ola, grato pela sua narrativa. No Brasil penso que ainda é cedo para que os pais estejam motivados a uma organização como existe por aí, o Movimento Opt Out. Ainda terão que sentir os efeitos desta política sobre seus filhos para então agirem. Mas tomara que percebam antes. Abraço
      Luiz

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