INEP: produzindo o fracasso escolar

Depois do incêndio do Museu Nacional no Rio de Janeiro, esta é a notícia mais espantosa que tivemos em poucas horas. O INEP elevou a nota de corte das notas do SAEB e com isso promoveu uma situação de caos na educação brasileira que não corresponde à realidade. É o que argumenta José Francisco Soares em entrevista para a Agência Brasil.

“Na realidade, não ocorreu nenhum desastre educacional nos últimos dois anos, mas apenas a introdução de uma forma equivocada de sintetizar os dados da Prova Brasil [como também é chamado o Saeb]”, opinou.”

O órgão se defende dizendo que foi um grupo de especialistas que definiu as novas regras. Mas, de fato, a credibilidade do órgão que já vinha sendo desafiada pelos seus dirigentes, acabou. Não se faz uma mudança dessa sem um amplo debate. De fato, as divulgações do INEP sobre esta rodada do SAEB estão marcadas por um claro desejo de promover o caos para justificar apoio às reformas do governo Temer (como já mostramos aqui e aqui).

Nos Estados Unidos, o efeito de aumentar a pressão sobre as escolas em 2002 foi inócuo quando não gerou efeitos adversos. Mas, ajudou na elevação da privatização da educação. No Brasil, o efeito imediato será produzir mais uma “crise” artificial para justificar as políticas de reforma do governo Temer. No entanto, ao persistir esta classificação, o efeito de longo prazo que se deve esperar é um maior clamor pela privatização das escolas também, na esteira do crescimento destas ideias no Brasil. Produz-se o fracasso da escola pública para justificar a sua privatização.

A direção do INEP já reclamava no II Relatório de Monitoramento do PNE pelo fato de que não podia fazer um monitoramento “adequado” da educação brasileira, pois não estava definido o que deveria ser considerado “nível suficiente” de aprendizagem na educação brasileira, apontado no PNE, na sua meta 7. Em recente post, dissemos:

“Na página 150 do relatório há uma observação que é importante levar a sério, por suas implicações danosas para a educação brasileira:

“Nesse contexto, vale notar a consecução da Estratégia 7.1 da Meta 7, com a promulgação da Base Nacional Comum Curricular, e ressaltar a necessidade premente de se definir o nível “suficiente” de aprendizado em relação aos direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento de cada ano de estudo, conforme preconiza a Estratégia 7.2. Apenas assim será possível efetivamente monitorar o aprendizado dos alunos da educação básica e garantir a todos o direito à aprendizagem.”

Esta observação refere-se à estratégia 7.2 do PNE que diz:

“7.2: Assegurar que:

  1. a) no quinto ano de vigência deste PNE, pelos menos 70% dos alunos do ensino fundamental e do ensino médio tenham alcançado nível suficiente de aprendizado em relação aos direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento de seu ano de estudo, e 50% pelo menos, o nível desejável. 
  2. b) no último de vigência deste PNE, todos os estudantes do ensino fundamental e do ensino médio tenham alcançado nível suficiente de aprendizado em relação aos direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento de seu ano de estudos, e 80%, pelo menos, o nível desejável.”

Ao usar o termo “nível de aprendizado suficiente”, o PNE cria um conceito fora das escalas de proficiência mais usadas (abaixo do básico, básico, proficiente, avançado) e exige que se chegue a uma nova definição. O que é nível suficiente: o “básico”, ou o “proficiente”? Ou ambos? Esta é a “necessidade premente” do INEP…”

O interesse da direção do INEP nesta definição tem a ver com que, uma vez definido, pode-se fazer maior cobrança sobre as escolas. E o pessoal que está no MEC quer ver “sangue” nas escolas.

Como não estivesse definido na lei e nem em outro instrumento, o INEP, este ano, resolveu definir ele mesmo convocando um “grupo de especialistas”. E, claro, segundo sua concepção atrasada de monitoramento que ainda prevalece nos meios governamentais, deve-se “elevar a régua” exigindo mais das escolas, pois isso melhorará a educação brasileira gerando mais exigências sobre as escolas.

A Agência Brasil repercutiu a situação:

“Neste ano, pela primeira vez, o MEC estipulou o nível 7 como o mínimo adequado. Os parâmetros, no entanto, surpreenderam especialistas por serem mais rígidos que o de avaliações semelhantes aplicadas no país e no exterior. Na avaliação de pesquisadores entrevistados pela Agência Brasil, com a nova escala, a situação da educação brasileira parece pior do que a realidade.

“Experiências consideradas exemplares até 2015 se tornaram fracassos com a nova metodologia”, diz o ex-presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Francisco Soares, que é integrante do Conselho Nacional de Educação (CNE).”

Leia mais aqui.

Com a elevação da régua, mais escolas falham e cria-se com isso um sentimento artificial de revolta que acaba sendo canalizado para as mudanças que estão em pauta, ou seja, as próprias reformas propostas pelo MEC. Ao fazer isso, a direção do INEP destruiu a credibilidade do órgão.

Para José Francisco Soares, em entrevista à Agência Brasil:

“De acordo com a nova classificação divulgada pelo MEC, até o nível 3, o aprendizado é considerado insuficiente e, até o 6, básico.

Segundo Soares, essa síntese facilita o uso dos dados para o planejamento pedagógico das escolas e das redes de ensino, assim como a comunicação com a sociedade. No entanto, os pontos de corte que definiram os níveis produziram uma mudança drástica no diagnóstico da realidade educacional brasileira.

“Na realidade, não ocorreu nenhum desastre educacional nos últimos dois anos, mas apenas a introdução de uma forma equivocada de sintetizar os dados da Prova Brasil [como também é chamado o Saeb]”, opinou.”

Em nota o MEC defendeu a nova classificação. Segundo o órgão, um grupo de especialistas definiu os novos critérios.

“Defendendo o nível de exigência adotado, o ministério diz que não é possível aceitar como adequado uma nota média em que boa parte dos alunos se enquadre “em níveis baixíssimos de aprendizagens”.”

Ainda segundo Fracisco Soares:

“O ex-presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Francisco Soares, citou como exemplo de mudança  a cidade de Sobral, no Ceará, que era considerada exemplo nacional e que, com os novos critérios, passaria a  ter apenas 13,4% dos alunos com aprendizado adequado em língua portuguesa, em vez dos 79,8% registrados em 2015. Segundo o MEC, a cidade de Sobral, assim como outras experiências importantes de redes e escolas “continuam sendo consideradas ótimos exemplos nacionais de que uma boa gestão aliada ao investimento em educação faz a diferença para a vida escolar do aluno”.”

Mais uma vez fica comprovada a necessidade de se dar transparência às “fórmulas” que são aplicadas na avaliação da educação brasileira. Isso se faz com relatórios técnicos transparentes e não com “press release” preparado para a imprensa.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
Esse post foi publicado em Assuntos gerais, Mendonça no Ministério, Meritocracia, Responsabilização/accountability e marcado , , , . Guardar link permanente.

6 respostas para INEP: produzindo o fracasso escolar

  1. Fernando L. Cássio disse:

    Luiz, adorei os seus últimos posts sobre as disputas em torno do cálculo do Ideb.

    Tendo a concordar com a tese da produção da catástrofe no Ensino Médio via esta nova metodologia de cálculo dos índices, e nesse sentido, concordo com a conclusão de que a não comparabilidade com os dados da série histórica torna os números de 2017 virtualmente inúteis.

    Contudo, a menção do Chico Soares à metodologia “comparativa” para a definição das metas, fazendo referência explícita ao Pisa e à metodologia do Todos Pela Educação, só mostra que o cerne da crítica apresentada por ele não mira exatamente a leitura simplificada do Ideb ou o risco de “naturalização” das inomogeneidades pelas médias, como ele mesmo pontifica em outro texto dessa lavra. As menções colaterais de Soares ao Sinaeb (ou coisa que o valha) só servem para colorir o texto.

    A questão de fundo é a disputa pela própria definição das metas, com todos – Soares, TPE, governadores, MEC e Inep – operando em uma mesma chave de leitura que assume o Ideb como indicador de qualidade educacional. Quando se muda a metodologia – de forma aparentemente arbitrária, nesse caso – as políticas de ensino médio integrado que são vitrines nas gestões estaduais (muitas delas produtoras de desigualdades educacionais, aliás) simplesmente deixam de ser vitrines. Ao mesmo tempo em que perde a comparabilidade, o indicador perde a sua função como instrumento de propaganda nas redes de ensino.

    Eis um bom “case” para pensar sobre os processos de produção de evidências nas avaliações em larga escala e os usos políticos e midiáticos desses indicadores: em um passe de mágica, a fulgurante educação sobralense deixa de brilhar.

    • Concordo. O INEP não levou em conta que estamos em ano eleitoral. E como você diz, por tabela fica clara a estratégia das ilhas de excelência nas redes estaduais criando programas de escola integral no médio e redes técnicas com Vestibulinho, enquanto os demais ficam na escola média regular.
      Infelizmente isso é um bumerangue que reforça o Ideb. Abraço.

  2. Todos sabemos que a política educacional neoliberal tem dois objetivos: construir a ineficiência das escolas através de avaliações – se as escolas responderem à proposta preparando alunos com seus constantes “simulados”, então aumenta a régua para manter sempre a mesma afirmação: a ineficácia do sistema público de ensino! O segundo é um corolário do primeiro: se é ineficaz, o melhor é entregar o sistema público à gestão privada, numa “privatização por dentro” de que têm sido instrumentos o PNLD, a compra do material dos sistemas (e de ONGs que produzem material didático). Se explicitamente temos a proposta da entrega da gestão, internamente já se vem fazendo a entrega da liberdade de ensino através de programas (ou alguém pensa que o PNLD, por exemplo, não é uma forma de avanço do privado sobre os fundos públicos? e pior, porque privatiza o chão da escola, isto é, a sala de aula).

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