E agora, senhores liberais?

A esta altura do pós-impeachment de Dilma, deve estar claro porque Joaquim Barbosa alertava que “sabe-se como um impeachment começa, mas não se sabe como ele termina”. O período pelo qual passamos não pode ser isolado da história recente do país, especialmente o período pós 2013.

Os liberais arriscaram tudo para conter a esquerda, mobilizando até os próprios conservadores para a tarefa de contenção. Os conservadores mobilizaram os militares. Abrindo mão de uma proposta inclusiva, os liberais acabaram por endossar as propostas do neoliberalismo radical. Constitui-se então a tríade que dá suporte ao atual governo: conservadores e neoliberais, apoiados pelos militares (que falam através dos generais da reserva). Os liberais dizem que apoiam a agenda econômica neoliberal mas não a agenda de “costumes” dos conservadores.

Chamo de liberais aqueles que ainda querem combinar livre mercado com direitos políticos e sociais; chamo de neoliberais aqueles que são fundamentalistas em relação ao livre mercado e redefinem o papel do Estado. Para os primeiros, o Estado tem funções de promover e regular o livre mercado, bem como a inclusão social. Para os neoliberais, o Estado deve apoiar fortemente o capital para induzir crescimento econômico e não tem responsabilidades com a inclusão social, a qual deve ser feita via mercado às custas dos próprios indivíduos que devem se apropriar deste crescimento pela meritocracia. Diferenças sociais no ponto de partida dos indivíduos não devem ser equalizadas. Sem alternativa, os liberais alimentam a ilusão de que as políticas neoliberais gerem crescimento que permita retomar a agenda da inclusão. Ledo engano.

Os liberais apostaram no poder de contenção que imaginam ter para barrar eventuais iniciativas autoritárias das forças conservadoras e militares. Sobre estes últimos, desenvolveram a crença de que estes teriam aprendido com o golpe de 64 e que estaria fora de lugar um novo golpe militar. Continuam dizendo isso, agora que rumores dão conta de uma eventual inclinação dos conservadores (em aliança com parte do generalato da reserva) para induzir um endurecimento do regime.

Pode ser que tenham razão e que não devamos nos preocupar. Mas a tese não pode ser simplesmente arquivada porque já existem traços na atual coligação de poder que poderiam ser mobilizados, no futuro, nesta direção:

  1. Foi o próprio vice-presidente da república que aventou esta possibilidade (auto-golpe) em passado recente.
  2. Os militares estão na base de apoio à manutenção da ordem vigente (constitucional), mas há, entre eles, quem pense que esta ordem institucional implica em não haver agressão ao livre mercado, ou seja, à lógica de funcionamento do capitalismo. Mais ainda, desenvolveram de longa data a tese do “inimigo interno”, usada durante a ditadura de 64 e que pode permitir caracterizar qualquer movimento de contestação como um destes inimigos internos.
  3. Se os conservadores admitem a tese do estado ditatorial – sob o argumento de que o que falta para arrumar o Brasil é “comando” – os neoliberais, por outro caminho, admitem igualmente uma “ditadura de transição” para estabilizar o livre mercado, quando este é ameaçado. Novamente, não importa de quem venha a ameaça. Esta confluência representa o maior perigo para o estado de direito vigente: setores conservadores, neoliberais e militares, sob certas circunstâncias, têm interesse em um endurecimento e estes interesses podem convergir. Ou seja, todas as forças que estão no governo são de base autoritária.
  4. Ademais, fortalece-se cada vez mais a ideia de que qualquer contestação é feita com o objetivo de promover o socialismo e o comunismo – tese que quem viveu a ditadura militar de 64 viu ser utilizada com amplo sentido e que ainda continua viva.
  5. O conservadorismo bolsonariano é populista, procura um canal direto de comunicação com o seu público. Pretende ser a “salvação” do povo agredido por esquerdistas, corruptos e pelo establishment – e são considerados inclusos nesta categoria todos os que se opõem a ele. Trabalha diretamente no imaginário de uma classe média acuada pela crise do capitalismo contemporâneo e descrente da democracia liberal, a qual considera tomada por corruptos.
  6. As forças que compõem o governo sabem que se Lula for solto, poderá promover um movimento de contestação, o que será caracterizado como  “inimigo interno” a ser derrotado.
  7. A análise que conservadores e neoliberais brasileiros fazem dos movimentos recentes no Chile e da razão do fracasso de Macri na Argentina são indicadores do que pensam destes casos: acreditam que Piñera adotou uma postura fraca perante os “baderneiros” e que Macri não foi suficientemente radical na implantação das reformas neoliberais – foi gradualista.

E agora, senhores liberais? Como pretendem manter o já precário Estado de direito?

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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