Insanidade meritocrática torna o SAEB anual

Excetuando-se crianças com 6 anos, todas as demais séries serão avaliadas com provas do SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica – todos os anos e não mais de forma alternada como era antes. Portaria do ministro da Educação foi publicada hoje.

Baixe Portaria aqui.

O exame será cada vez mais em formato digital e com tecnologia interativa (o sistema sorteia on line a próxima questão para o aluno responder). Além disso, será enviado boletim às famílias com as notas.

As avaliações das séries do ensino médio serão uma das formas (a outra é o ENEM) que as Instituições de Ensino Superior poderão ter para selecionar acesso a este nível de ensino. É o que nos conta a reportagem de Paulo Saldaña na Folha de São Paulo.

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Fazer avaliação todos os anos e em todas as séries, nas palavras do Presidente do INEP, visa desenvolver uma cultura de avaliação nas crianças e jovens.

Esta é a lógica da geocultura meritocrática em desenvolvimento pela aliança conservadora-liberal no governo e que tem por objetivo inserir a juventude em processos concorrenciais e habituá-la à disputa, perdendo cada vez mais a dimensão da solidariedade e do coletivo. Por outro lado, esta imersão na concorrência firma desde cedo nas crianças o individualismo e a ideia de que aquele que não acumula mérito, não tem acesso a direitos – estes passam a ser uma responsabilidade do indivíduo e não mais uma obrigação do Estado. E ter mérito é ir bem nas provas e ter nota mais alta.

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Como já desenvolveu Markovits, o mérito se conecta com a renda e a outros aspectos da vida e como as provas medem mais o nível sócio-econômico do que o próprio conhecimento, as elites criam uma reserva de acesso a profissões e ao bem-estar. As desigualdades sociais passam a ser reconfiguradas como desigualdades de mérito, de responsabilidade única dos indivíduos.

A medida transforma a formação da juventude em uma grande corrida para nenhum lugar e o papel da escola passa a ser ensinar para passar nos testes.

Da mesma forma, inserem-se as escolas na lógica concorrencial com o mesmo objetivo: o mérito da escola depende de que ela tenha as melhores notas. Cria-se um mercado educacional que expulsa as que não alcançarem as metas, abrindo caminho para a privatização e para os vouchers. Esta também é uma das finalidades do boletim de desempenho enviado às famílias, transformando estas em “clientes” que no futuro, com os vouchers, poderiam “escolher a escola” segundo seu desempenho.

Está na hora dos pais começarem a impedir seus filhos de participar em exames censitários de larga escala como o SAEB, seguindo os pais americanos que sofrem da mesma insanidade. A razão é simples: se não atuarem, seus filhos transformar-se-ão em vítimas da própria meritocracia.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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2 respostas para Insanidade meritocrática torna o SAEB anual

  1. Nicanor Mateus Lopes disse:

    Professor, qual sua opinião sobre propostas de “avaliações diagnósticas” unificadas pós pandemia para fundamental I e II? Segundo a prefeitura o objetivo é um plano de reforço pós avaliação. Nossa preocupação é com a comparação dos resultados, com desconsiderar a realidade de cada escola. Sem falar que, antes mesmo da pandemia já não era possível tal comparação, dado problemas que já existiam como falta de professor.

    • Avaliações diagnósticas devem ser feitas e aplicadas em sala de aula pelo próprio professor. Elas não precisam ser escritas e impressas e massivas, pois ocorrem na interação normal de sala de aula. Se queremos ajudar este processo, diminua-se o número de alunos em sala de aula ou coloque-se um segundo professor em sala.
      Abraço
      Luiz

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