Meritocracia: uma revisão da literatura

A Fundação Carlos Chagas publica em sua revista Cadernos de Pesquisa número 53 (2023) um estudo de revisão de Ferreira, M. R.; Alves, J. M. e Palmeirão, C., autores portugueses, sobre o tema da meritocracia: MERITOCRACIA, EXCELÊNCIA E EXCLUSÃO ESCOLAR: UMA SCOPING REVIEW.

Resumo: A meritocracia escolar é um mecanismo de distinção de alunos com supostos benefícios para a motivação e o reconhecimento do esforço, mas também com uma dimensão negativa associada à intensificação e estratificação das desigualdades. Assim, o principal objetivo deste estudo é a análise da literatura sobre meritocracia escolar e as lógicas de ação das escolas nesse contexto. O método adotado é uma scoping review, com a pretensão de selecionar, analisar e sintetizar a literatura encontrada em quatro bases de dados: Web of Science, Scopus, RCAAP e Google Scholar. Os resultados mostram uma necessidade de reflexão sobre os conceitos de justiça e exclusão escolar, associada à ideologia meritocrática na lógica da igualdade de oportunidades.

Como afirmam os autores:

“…perante essa problemática da igualdade de oportunidades no contexto de uma cultura meritocrática, os autores citados neste artigo (Young, 1958Bourdieu & Passeron, 1970Collins, 1979Bourdieu, 1989Lim, 2013Mason, 2016Mijs, 2016Montes & Parcerisa, 2016Ochoa & Orbeta, 2017Bruni, 2018Darnon et al., 2018Erichsen & Waldow, 2020Owens & St Croix, 2020Sandel, 2020Cívico, 2021Batruch et al., 2023Tašner & Gaber, 2022) apresentam um relevante contributo para a reflexão sobre essa questão. E reforçam uma especial atenção para discursos e práticas excludentes legitimados por uma cultura meritocrática supostamente justa. Para isso, foi necessário trazer à discussão o conceito de justiça escolar (Rawls, 1971Setton & Martuccelli, 2015; Rohling & Valle, 2016; Sandel, 2020), demonstrando a forma como ela está a ser utopicamente aplicada. Por fim, é igualmente imperativo refletir sobre os efeitos da cultura meritocrática nos alunos vencedores e perdedores (Smith & Skrbiš, 2017Kostet et al., 2020Reay, 2020Sandel, 2020), que, apesar de poder ser um mecanismo promotor de motivação e esforço essencialmente para os alunos vencedores, está a causar o efeito contrário nos alunos perdedores que são a grande maioria (Bruni, 2018). Aqui chegados, podemos colocar uma série de interpelações: que gerações estamos nós a formar? Que valores humanos estamos a promover? Que sociedade estamos a construir? Que práticas de exclusão insidiosa estamos a promover?”

Leia mais aqui.

Este é um tema que precisa ser urgentemente estudado e compreendido, pois informa e ainda informará durante muito tempo as políticas educacionais brasileiras. Ele será fortalecido à medida que as crises econômicas deixem cada vez mais claro o esgotamento secular da forma de organização social baseada na extração ilimitada de lucro.

Como já manifestei antes, a despeito das políticas de inclusão de governos progressistas, devido a estas crises haverá cada vez menos espaço orçamentário para financiar tais necessidades e as elites vão se apegar ao conceito de meritocracia para reservar a maior fatia para elas e justificar sua posição social de destaque na sociedade.

A desigualdade cresce no mundo: 1% dos adultos no mundo têm 44,5% de toda a riqueza pessoal, enquanto 52% têm apenas 1,2% (Roberts, 2023) e a mobilidade social é bem descrita por Joseph Stiglitz:

“90% dos que nascem pobres morrem pobres por mais esforço ou mérito que façam, enquanto que 90% dos que nascem ricos morrem ricos, independentemente de que façam ou não mérito.” (Stiglitz, 2018)

Mas, para as elites meritocráticas, o sucesso na vida é produto da genética e de uma suposta qualificação que está à disposição de todos que queiram se esforçar. Os perdedores mal-sucedidos são pobres por não se esforçarem. A escala social é justificada pelo mérito e também por esta razão, os mais ricos não devem ser “punidos” e pagar mais impostos.

Dessa forma, ao optarmos por organizar nossa escola, como quer o Ministro Camilo, colocando a política meritocrática cearense como referência, estamos contribuindo para a afirmação deste pensamento baseado na competição e na concorrência, cujas consequências sociais estão à vista.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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