Estado de choque

Postado originalmente na Uol em 20/07/2011

Os reformadores empresariais brasileiros estão em choque com a implosão do programa de bônus em Nova York. A razão é simples: eles têm uma dependência intelectual tão grande dos reformadores empresariais americanos que o que é bom para Nova York é bom para o Brasil, mas agora, terão que encontrar uma saída para a lógica oposta: o que não é bom para Nova York não é bom para o Brasil.

Não é esta a razão pela qual somos contra o bônus. Independentemente de Nova York se dar bem ou não, o fato é que os campeões do PISA não usam estas idéias extraídas da área dos negócios. Vão bem, obrigado, sem elas. E não é só a ideia do bônus que não usam.

Na literatura sempre se poderá achar (ou produzir sob encomenda a uma Fundação) um estudo que mostre algum alento para o uso de bônus.

Anos atrás, Maria Helena Castro dizia que “estudos internacionais mostram a eficiência”. Eu era ideológico quando discordava dela e ela era científica porque concordava com o bônus – baseada em estudos cuja fontes nunca eram reveladas.

Em postagem anterior, expliquei minha posição contrária ao bônus a partir do histórico behaviorista destas ideias. Eles, os reformadores, acham que podem “controlar” a escola como o Banco Central tenta (às vezes sem sucesso) controlar a economia. Basta “desenvolver um modelo”.

Agora, na Folha de SP de hoje (20-7-2011) ela diz: “A medida lá certamente terá impacto aqui. As redes vão parar e pensar”. Que bom. Não estavam pensando. Bônus, no Brasil, era uma questão de fé. Agora, pelo menos vão pensar.

Mas não acreditem que ela tenha mudado de ideia, logo agrega: “Maria Helena afirma que ainda precisa analisar melhor a decisão tomada em Nova York. “Outras redes, como a de Washington, reforçaram a política de bônus”. Claro, o governo Obama dá dinheiro para tais políticas e uma forma de obtê-lo é coloca-las em prática, independentemente de sua eficácia, como mostrou a experiência aqui relatada por nós em Atlanta, com as fraudes.

Mas mesmo em Washington a aplicação destas ideias custou caro a Michele Rhee, musa dos reformadores empresariais. Ocorre que sua política educacional foi parte da razão pela qual o prefeito de Washington não se reelegeu e ela ficou sem emprego. Washington não é referência.

Precisa ter muita fé para achar que algo pode ir bem na política educacional americana, há dez anos estagnado no PISA e sem alterações significativas nos exames nacionais.

Até G. I. (Gustavo Ioschpe) agora faz ressalvas: “A ideia de que o sistema de incentivos pode ser decisivo por si só sempre me pareceu otimista demais”.

Os reformadores vão adotar agora duas posições principais:

1.       Vão dizer que é preciso mais pesquisa; que os dados são controversos. Por um tempo, até acharem algum experimento da Mackinsey, do BID ou da OCDE vão ter esta posição.

2.       Vão dizer que o bônus tem que ser combinado com outras ações.

Mas aqui há um problema ético que tenho denunciado. Os reformadores empresariais estão fazendo experimentos anti-éticos com redes inteiras aplicando ideias que não têm base em pesquisa. E não é uma ou outra pesquisa. Em revisões do estado da arte, as quais levam em conta tanto experimentos que funcionam como os que não funcionam, os bônus não têm sido aprovados e considerados prontos para virar política pública. Isso não é ciência, é “business” por um lado e “política de governo apressado” de outro.

A recente revisão do estado da arte feita pela Nacional Academy of Sciences americana é muito mais importante do que o experimento da RAND que implodiu Nova York ou que a própria decisão do Departamento de Educação de suspender o bônus. No entanto, foi solenemente ignorada pelos reformadores empresariais brasileiros.

Não se pode, pela ética e pela probidade administrativa, fazer experimentos com redes inteiras. Nos últimos anos, São Paulo vem fazendo isso sistematicamente. O SARESP não teve nenhum impacto. A olho nu, quando o bônus foi implantado em 2008 a média era de 272. Em 2009 foi para 274 e em 2010 caiu para 265. Entretanto, não há estudos sistemáticos que estabeleçam um link causal entre estas ações (bônus e queda no Saresp).

Independentemente disso, não é ético submeter uma rede inteira a procedimentos não claramente compreendidos. E não se faz experimento com redes. Experimentos são válidos mas em situações controladas.

Quem responde pelo gasto de 340 milhões em bônus no Estado de São Paulo, sem nenhuma consequência para a qualidade do ensino? Pior, desestruturando a profissão do magistério. Os Tribunais de Contas do Estado deveriam abrir uma investigação para responsabilizar os governadores que aplicaram ideias sem base científica com custo para os cofres públicos – é questão de improbidade administrativa. O TCU, por muito menos, fiscaliza o custo benefício dos programas federais.

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About Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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