A concepção de educação dos reformadores empresariais

Postado originalmente na Uol em 24/05/2011

Os reformadores empresariais entendem que a escola é boa quando ensina português e matemática – no máximo incluindo ciências. Esta concepção de educação centra a ação da escola no desenvolvimento de um aspecto do ser humano – a cognição. Na esteira desta decisão, associam – como critica Diane Ravitch – notas altas nestas disciplinas com boa educação. A maior parte dos países desenvolvidos está nesta corrida para verificar quem é melhor em português, matemática e ciências – comandada pela OCDE.

Tais habilidades cognitivas não são desprezíveis, mas são amplamente insuficientes.

Consideraríamos uma escola que desenvolve a criatividade, desenvolve a capacidade emocional e afetiva das crianças, cuida muito bem do desenvolvimento do corpo, desenvolve sua capacidade artística, mas não é tão boa em português e matemática, uma má escola? A TRI – teoria da resposta ao item – poderia ser usada para examinar estas áreas também. Não é falta de tecnologia de medição. Mas o custo talvez seja impeditivo – argumentarão. Bem, então, significa que medimos o que o dinheiro dá para medir?

Muito provavelmente, os reformadores empresariais respondam positivamente a estas questões, já que, para eles, passar em um teste de português e matemática é sinônimo de ter boa educação.

Entretanto, o ser humano pode desenvolver-se em múltiplas direções, como apontamos acima, e a escola deve prover condições para que o ser humano possa explorar e desenvolver todas estas dimensões, e não apenas uma delas – a cognitiva.

Mas há uma argumentação que alguns liberais mais cuidadosos formularão como resposta. Dirão que sem português e matemática não haverá o desenvolvimento das outras áreas. Porém, isso não tem sustentação nenhuma em pesquisa. O desenvolvimento destas áreas, embora tenha interface, não depende de uma sequência que comece por estas disciplinas. Ou teríamos que admitir que um analfabeto não teria emoção, criatividade, afetividade. Não cabe aqui a argumentação de que começamos por estas disciplinas, para depois avançarmos em direção a áreas mais complexas. Até porque, muito destas áreas são definidas nos primeiros anos de vida e de ensino.

É urgente que coloquemos em dúvida, junto aos pais e junto aos formuladores de políticas, a afirmação de que nota alta é sinônimo de boa educação e comecemos a pensar na educação que queremos dar a nossa juventude de forma multilateral – para além do português e da matemática.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
Esse post foi publicado em Estreitamento Curricular, Postagens antigas da UOL, Responsabilização/accountability e marcado . Guardar link permanente.

Uma resposta para A concepção de educação dos reformadores empresariais

  1. Silvia disse:

    Uma publicação de quatro anos atrás que ja gritava a intenção dos reformadores na MP 746 do ensino medíocre. ..que prpoe o cerceamento do direito a uma educação de qualidade e emancipatoria em troca de uma educação voltada ao mercado…sem considerar a formação de ser humanizado… o fim da educação humana está por vir!

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