Postado originalmente na Uol em 28/05/2011
Contraditoriamente, educadores são suspeitos para falar da educação americana. Os reformadores empresariais da educação no Brasil acreditam mais em economistas. Segundo eles, são mais objetivos. Deveriam conversar mais com Delfin Neto, um economista que discorda desta percepção. Mas, escrevo hoje sobre o economista Tyler Cowen da George Mason University. Em entrevista à Folha de São Paulo (28-05-2011) faz um diagnóstico da estagnação tecnológica americana devido a esta ter atingido o limite de seu desenvolvimento. Era inevitável que o tema da educação aparecesse.
O diagnóstico que Cowen faz da educação americana é o mesmo que os educadores profissionais mais lúcidos fazem dela. Quando dois observadores independentes, de áreas diferentes, coincidem sobre o mesmo fato, deve haver algo de verdade nas percepções.
Instado a explicar a situação de estagnação americana, Cowen argumenta que isso poderia ter ocorrido necessariamente por limites intrínsecos do ciclo de crescimento tecnológico, mas ele acha que os americanos cometeram alguns erros adicionais. O diagnóstico de Cowen é lapidar:
“Folha: Isso ocorreria de todo modo?
Cowen: Sim, mas cometemos alguns erros. Temos um sistema educacional falho para muitos e a cada ano gastamos mais em educação e não obtemos resultados melhores. E a resposta não é gastar mais. Não há competição o suficiente, e a educação não é suficientemente orientada para agradar ao consumidor e aos pais. É um grande setor travado.”
Comentário: importante salientar o reconhecimento feito por Cowen de que a educação americana está estagnada – ou como dizemos neste blog em linguagem menos polida – está empacada. Há mais de 10 anos que os Estados Unidos não saem da média do PISA. Isso, depois de mais de 15 anos de privatização, responsabilização e meritocracia. O diagnóstico confere com os que têm divulgado Diane Ravitch (educadora americana), entre outros.
A Lei No Child Left Behind implantou tudo o que a imaginação dos reformadores empresariais da educação americana poderiam conceber em termos de competição entre escolas, escolas administradas por contrato de gestão, fechamento de escolas consideradas ineficientes, pagamento de escolas por vouchers, desprofissionalização da profissão de professor, demissão de professor e diretor, pagamento de bônus para professor a partir de desempenho de aluno, para citar algumas medidas. Se ainda assim Cowen acha que não há competição, pouco resta a fazer. As cartas já foram jogadas.
A questão é que não funcionaram e mais útil seria ouvir os educadores profissionais americanos, a querer insistir na estratégia mercadológica. Mas, como economista, Cowen não tem que entender de educação. Está desculpado, portanto, por receitar o mesmo tipo de solução que o seu país já implementou nos últimos 15 anos e que o conduziu à estagnação no sistema educacional.
Lá, como cá, os reformadores empresariais querem insistir em uma estratégia falida. É compreensível que o pessoal de Wall Street não queira abrir mão de um mercado de 800 bilhões de dólares baseados em elaboração de testes, avaliação, ranqueamentos, venda de tutoria para pobres, administração de escolas por contrato, etc.. Sem falar das polpudas doações de Fundações privadas ligadas a corporações empresariais dedutíveis no acerto de contas final com o leão americano (imposto de renda). É igualmente compreensível que nosso Wall Street tupiniquim queira criar, aqui no Brasil, um mercado semelhante. Mas isso não tem nada a ver com educação, é simplesmente “business”…
E em se tratando de “negócios”, o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil – pensam os reformadores empresariais da educação – alguns de olho nos lucros (financeiros ou políticos), outros, mais ingênuos, de olho em uma utopia não realizável: que o mercado produza a equidade na educação. Ora, se é o mercado que produz e se alimenta da não equidade, como pode ele corrigir a falta de equidade?