MOVIMENTO TODOS PELA EDUCAÇÃO, ORGANIZAÇÕES GLOBO, CABRAL, PAES E COSTIN: ‘AMANSAR’ OS PROFESSORES COM CASSETETES PARA AVANÇAR CONTRA A ESCOLA PÚBLICA
Parte II – Final
Roberto Leher[1]
Na história da educação pública, a carreira docente sempre compôs o cerne da política pública para a educação. Uma carreira comprometida com a escola pública assegura a autonomia intelectual e a garantia do caráter público da educação, o agir ético como servidor público e a qualificação para se desincumbir dessa elevada função pública.
A carreira reivindicada[4] institui as condições para o ingresso do servidor no serviço público de modo impessoal, por meio de requisitos de qualificação profissional, provas e exames de títulos, processo que deve acontecer no bojo do concurso público. Normatiza as regras de progressão ao longo da vida funcional, valorizando a experiência, a dedicação e a qualificação, reconhecendo o esforço do servidor da educação em seguir o seu processo de formação, por meio da especialização, do mestrado e do doutorado. Define as atividades que compõem o rol da docência e das atividades técnicas e administrativas, objetivando assegurar a indispensável autonomia frente aos interesses particularistas de grupos políticos (como o Todos pela Educação), aos interesses puramente mercantis, como na venda de material pedagógico (Roberto Marinho, Alfa&Beto etc.), ao processo de ensino e aprendizagem (recusando o foco no direito à aprendizagem sem ensino), na garantia da formação cultural, artística, científica rigorosa, ampla e universal dos estudantes (combatendo a segregação da educação popular por meio de uma formação minimalista de competências rudimentares, como preconizado pelas avaliações padronizadas) e, não menos importante, na possibilidade de dedicação a uma determinada escola, evitando a condição de professor nômade, hoje instaurada principalmente na rede pública estadual.
Finalmente, a carreira normatiza o tempo. Somente assegurando tempo para as atividades fora da sala de aula, será possível uma docência criativa, fundamentada na ciência, garantindo as condições objetivas para que os profissionais estejam engajados em estudos coletivos, pesquisas, planejamento das aulas, avaliação qualitativa do trabalho dos estudantes, em diálogo com os movimentos sociais, o sindicato, pais e responsáveis, a comunidade escolar e as universidades.
O valor da remuneração, é importante frisar, não é o determinante da carreira, mas, por óbvio, é condição necessária para que a carreira possa garantir a plena dedicação ao trabalho. Somente com remuneração digna é possível o engajamento arrebatador no trabalho pedagógico cotidiano. Tal compromisso é incompatível com o sofrimento advindo da privação econômica, levando os professores a buscarem vários empregos para compor uma renda minimamente compatível com as necessidades básicas da vida. A degradação da carreira não provoca apenas sofrimento econômico, mas psicossocial. A opção pela carreira do magistério, ao ser anunciada por um jovem, provoca reações de comiseração, sugerindo que é uma opção dos fracassados.
O projeto de carreira imposto por Eduardo Paes – Claudia Costin[5] é antagônico com o conceito de carreira docente e dos demais profissionais da educação. Em um contexto de vertiginoso aumento na produção científica nas ciências da natureza e nas ciências duras e de grandes desafios diante de problemas que envolvem esses domínios do conhecimento (energia, agricultura, saúde, aquecimento global, biotecnologias..), o mestrado e o doutorado nestas áreas nada valem, pois a única pós-graduação stricto sensu reconhecida é na área de educação: física, química, matemática, história, geografia, ciências sociais são ignoradas. Detalhe não irrelevante. Os que realizaram doutorado em educação somente terão seus títulos reconhecidos se a Prefeitura tiver recursos!
Como se não bastasse tal irracionalidade, somente os servidores em regime de 40 horas poderão ser inseridos no novo plano, restringindo o seu alcance para menos de 10% do total. Objetivamente, os profissionais da educação que ocupam cargos de magistério de 16h, 22 h 30 min e 30 h estão excluídos do enquadramento no Plano. O governo afirma que futuramente poderá abrir novas oportunidades de ampliação da carga horária para 40h, mas tal opção irá depender da disponibilidade financeira e da vontade monocrática da Prefeitura. Também os professores do primeiro segmento do ensino fundamental e da educação infantil que realizaram concurso aberto aos que possuíam a formação em nível “normal”, igualmente não poderão ser enquadrados, ainda que tenham nível superior, pois somente os que realizaram concurso para nível superior poderão ser inseridos na nova carreira.
A rigor, é um plano que não valoriza a qualificação tão proclamada como indispensável, desconsidera a formação em vários domínios do conhecimento e, ao restringir o universo dos possíveis beneficiados, sobressai um dos objetivos não proclamados do novo plano: a redução do impacto orçamentário do plano. As prioridades, na gestão Paes, estão vinculadas aos negócios imobiliários e aos grandes eventos da cidade-mercadoria. A formação dos estudantes, a carreira dos profissionais, a escola pública são as grandes perdedoras do novo plano.
O plano não contempla a valorização funcional ao longo do tempo de carreira, um dos pilares de qualquer carreira magisterial. No lugar de uma valorização por toda vida laboral, no caso da educação básica, ao menos de 25 anos, o plano restringe a onze anos o tempo para progressão, mantendo apenas as quatro classes atualmente existentes.
Examinando as carreiras magisteriais dos países da OCDE, em geral a diferença entre o início e o final da carreira é superior a 300%. Conforme o plano Paes-Costin, após 25 anos de magistério, um professor terá seu salário 26,5% maior do que no início da carreira. Por sua vez, uma Agente Auxiliar de Creche receberá por tempo de serviço, no máximo 7,7% em toda sua carreira! A “valorização” por formação é desconcertantemente irrisória: depois de cursar pós-graduação, mestrado e doutorado, um professor estará recebendo apenas 15% a mais do que um graduado[6]. Um dos princípios mais axiais da luta magisterial, a paridade entre os ativos e aposentados, é desconsiderada, como se os aposentados, após a dedicação de suas vidas à educação, pudessem ser descartados, esquecidos e submetidos a progressivo empobrecimento.
Por tudo isso, é possível concluir que a greve dos profissionais da educação pública, iniciada em 8 de agosto de 2013, é um movimento em prol do futuro da escola pública. Alternativamente, a política Cabral-Risolia e Paes-Costin, afinal referenciada, como a do MEC, na agenda do TPE, é incompatível com a escola pública capaz de assegurar uma formação cultural e científica integral, plena, a todos os que possuem um rosto humano. Frente ao projeto em curso, o uso da violência extrema não surpreende, pois, onde houver um professor que se volte contra o pacote educacional que impõe o apartheid educacional, haverá uma voz a ser silenciada: pelos manuais do ABC pedagógico introduzidos por corporações e, sempre que necessário, pela violência policial. O que as forças do atraso não perceberam é que o clamor pela educação pública pulsa nas escolas e nas ruas e o projeto de conversão das escolas em ‘organizações’ dirigidas pelas corporações não passará!
Rio de Janeiro, 5 de outubro de 2013
[1] . Priscila Cruz, diretora-executiva do Todos pela Educação, Prejuízo silencioso. O Globo, 1/10/13.
[2] . http://www.tcm.rj.gov.br/WEB/Site/noticias.aspx?Categoria=61
[3]CHAUÍ, M. A universidade operacional. Folha de São Paulo, Caderno Mais! 09 Maio 1999.
[4] http://www.seperj.org.br/admin/fotos/boletim/boletim327.pdf
[5] http://www.seperj.org.br/admin/fotos/boletim/boletim326.pdf
[6] Informações obtidas a partir do estudo realizado para o mandato do vereador Renato Cinco, PSOL-RJ.