IDEB: era uma vez…

Em tempos de divulgação de índices do IDEB, em plena campanha eleitoral, vale lembrar uma historinha:

“Durante a sua primeira corrida eleitoral para a Casa Branca, George W. Bush chamou [a sua gestão na educação do Texas] de milagre do Texas. Testes de alto impacto nas escolas públicas, juntamente com outras medidas destinadas a manter professores e diretores “responsáveis” pelo desempenho de seus alunos, haviam fechado as disparidades de resultados entre estudantes brancos e os estudantes das minorias e impulsionou a pontuação geral em leitura e matemática. Durante a campanha, George W. Bush elogiou as reformas aprovadas – aprovadas primeiramente na Legislatura de 1993, um ano antes dele ser eleito governador – como um modelo para o país. E, de fato, apenas um ano depois que ele chegou em Washington, o modelo do Texas ganhou amplitude nacional, quando Bush assinou a Lei No Child Left Behind, em janeiro de 2002, exigindo que todos os estados criassem seus próprios programas de avaliação por testes. Na cerimônia de assinatura, Bush apontou a Rod Paige, seu secretário de educação, cujo sucesso como superintendente da educação do Distrito Escolar Independente de Houston tinha fornecido a inspiração para o movimento de responsabilização no Texas.” Veja aqui.

“As pontuações no teste do Texas subiram, mas no SAT para estudantes universitários potenciais caíram. Os pesquisadores descobriram que os testes do Texas projetados pela Pearson mediam principalmente a habilidade de fazer testes. Apologistas escolheram a dedo as pontuações do National Assessment of Educational Progress para mostrar o progresso, mas no geral o Texas perdeu terreno para o resto do país, como mostrou o Dr. Julian V. Heilig, um pesquisador em educação da Universidade do Texas. Mas aí já era tarde demais. O Milagre do Texas, miragem ou não, era a lei da terra.” Veja aqui.

Este foi o início da história da lei de responsabilidade educacional americana que viria destruir o sistema público de educação americano e gerar um dos movimentos mais fortes e organizados contra as teses de responsabilização dentro dos Estados Unidos.

Duas décadas atrás o Texas tornou-se o marco zero para o movimento de responsabilização. Agora, depois de uma revolta de professores e pais que afirmam que os testes de alto impacto estão arruinando a sala de aula, a própria Assembleia Legislativa do Texas está pronta para desfazer muitas de suas próprias reformas. Já escrevi sobre isto antes aqui e aqui.

A lei americana não funcionou e o governo Obama, terminado o prazo que a ela estipulou (2014) para que todos os estudantes americanos fossem proficientes em leitura e matemática, forneceu perdão aos estados para que pudessem continuar a receber fundos federais.

A divulgação do IDEB ocorrida ontem em plena campanha eleitoral, vai ser politizada e se prestará a toda sorte de análise. Hoje já há uma análise, por exemplo, sobre quais partidos políticos são mais eficazes ao gerar IDEB alto. Loucura total.

Dados quantitativos sevem para apontar grandes tendências, mas para serem explicadas tais tendências precisam de estudos qualitativos. O IDEB voltou a ser divulgado de forma desidratada: sem indicadores de nível socioeconômico, sem cruzamento com dados dos Censos, etc.  Só houve um “press release”, como sempre. Não há um relatório decente disponível, como ocorre dentro dos Estados Unidos, mostrando como ficou o desempenho das crianças por gênero, raça, nível socioeconômico, posicionamento nas escalas de desempenho, gráficos orientadores com tendências históricas, enfim, nada.

O INEP segue na mesma. Os Políticos não têm nem paciência e nem podem esperar por tais estudos. A mídia pressiona para saber quem é o melhor e quer que dados incompletos sejam interpretados. Se não acha quem o faz, faz ela mesma com o que tem e sabe. E é muito pouco, em geral.

Em plena campanha haverá a tendência a se estabelecer sucessos ou fracassos do IDEB como sendo produto de determinadas políticas implantadas neste ou naquele estado. Pura asneira – junk science. É bom que não tenhamos novos “milagres do Texas” agora em solo brasileiro. A razão é simples: todos sabemos que em matéria de educação, não há milagres.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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Uma resposta para IDEB: era uma vez…

  1. Em 2011 foi proposta pelo ex ministro da educação, a substituição das notas de desempenho dos alunos do terceiro ano do ensino médio feito pelo exame denominado Avaliação Nacional da Educação Básica (ANEB) pelas notas de desempenho do Enem para a Cálculo do IDEB. Essa substituição parece ser uma proposta como o “milagre do Texas”.

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