O Presidente do INEP sonegou ao público do V Seminário do CEDES a política de avaliação daquele órgão, mas um dia antes apresentou ações do INEP com detalhes em uma reunião na UNDIME aos Dirigentes Municipais de Educação. Ele veio diretamente desta reunião da UNDIME para o Seminário do CEDES. Lá ele apresentou o portal de devolutivas da Prova Brasil, que está sendo realizado em parceria com o Todos pela Educação, Fundação Lemann, Banco ITAU BBA e Bradesco, e levará até os professores uma análise “pedagógica” dos itens dos testes da Prova Brasil, baseado na pedagogia das competências. Mas isso parece que ele não quer discutir com educadores profissionais.
No site da Undime que sediou a reunião, se lê:
“O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) vai lançar em agosto o portal Devolutivas, que vai explicar os resultados da Prova Brasil. O site disponibilizará os itens da prova com comentários e explicações sobre o que o aluno errou ou acertou. O portal foi apresentado hoje (16-7) pelo presidente do Inep, Francisco Soares, no 15º Fórum Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação” .
De acordo com o Inep, a plataforma mostrará os resultados da Prova Brasil tal como divulgado no boletim da escola, ou seja, será possível selecionar a escola e visualizar em um gráfico a distribuição dos alunos nos níveis de proficiência de cada área ou etapa avaliada. Também será possível comparar essa distribuição à de escolas similares” – diz o site da UNDIME.
O mais chocante é como o presidente do INEP não se sente “accountable” por apresentar suas políticas com transparência para o debate com os educadores profissionais, mas exige e desenvolve políticas de “accountability” para os professores e gestores das redes educacionais do país. É hora de que também os gestores da educação nacional sejam responsabilizados pelas políticas que colocam em prática e pelos seus efeitos. Isso começa com a apresentação delas ao público especializado.
Durante o debate coloquei claramente uma questão ao Presidente: diga-nos em que país a utilização das ideias de responsabilização e meritocracia – e suas políticas de controle por bases de dados – reduziram a desigualdade. A questão ficou sem resposta.
Vem aí, portanto, o portal das devolutivas. Como sempre, mais pressão sobre o professor e sobre a escola, a título de corrigir injustiça social para com os pobres, mas a partir da escola e não das próprias políticas públicas dos governos. Para o INEP, o enfrentamento das desigualdades educacionais se dá por portais eletrônicos com informações que são divulgadas à sociedade e tornam transparente os resultados obtidos pela escola.
E depois da montagem de um portal que divulgará toda a posição da escola na Prova Brasil, temos que ouvir do Presidente do INEP que ele é contra colocar o IDEB na porta das escolas como queria Ioschpe. Entende-se agora porquê. De fato ele montou um esquema de divulgação muito mais sofisticado e elaborado do que uma tabuleta na porta da escola. De fato, ele não precisa da tabuleta. Ele construiu uma “tabuleta eletrônica” com muito mais informações sobre cada escola.
Para o INEP, há que “se buscar pedagogias apropriadas para os grupos mais vulneráveis” e a “inexistência de uma base nacional comum é uma fonte geradora de desigualdades”. Como se vê, há uma internalização da desigualdade social em uma desigualdade escolar a qual deve ser enfrentada com uma pedagogia apropriada e uma base nacional comum. A desigualdade social virou desigualdade escolar a ser combatida dentro da escola, independente dela continuar sendo produzida no interior da sociedade em que o aluno vive. Nisso não há nenhuma divergência com o documento da Pátria Educadora da SAE. Também não difere da posição de outros reformadores.
Reproduzo abaixo um exemplo da “interpretação pedagógica” que estará chegando logo mais em agosto aos professores das nossas escolas:
Comentário Pedagógico: “O item apresenta uma tabela simples, com duas colunas, que mostra o resultado de uma pesquisa realizada por uma professora em sua turma sobre a preferência dos alunos por um dos quatro times de futebol apresentados. Para responder corretamene à pergunta o participante da prova precisava localizar na tabela a linha referente ao time de futebol citando na comanda (a equipe esportiva Bons de Bola) e verificar na coluna que tem como título Número de alunos, quantos dos pesquisados votaram no referido time.
O percentual de acertos na questão (gabarito D) é considerado bastante alto 84%. O nível do item na escala de proficiência é 150. Dentre os alunos que estão nesse nível houve a confirmação empírica de que a probabilidade de acerto do item é praticamente de 80%. A partir do nível 275 da escala de proficiência, 100% dos respondentes acertaram o item. De modo geral, no teste, 98% acertaram a questão, enquanto dentre os estudantes com pior desempenho, 58% escolheram a opção correta. A discriminação do item foi, portanto, alta (98% – 58% = 40%).
Observando o gráfico de proporção de respostas, vê-se que já a partir do nível 125 da escala o gabarito se torna a opção de resposta preferencial dos alunos. Os que marcaram as alternativas incorretas podem ter feito escolhas ao acaso ou então demonstraram não conseguir ler as informações apresentadas em uma tabela simples. Já aqueles que acertaram a questão provavelmente conseguiram reconhecer e ler o dado referente ao número de alunos que têm como preferência o time Bons de Bola. Houve uma boa correlação entre o desempenho no teste e o acerto do item, ou seja, os alunos que tiveram bom desempenho na prova como um todo acertaram a questão e os estudantes com mal desempenho erraram. Este item está no nível que autores como Curcio (1987) costuman denominar de “leitura de dados” no qual se requer a simples leitura das informações apresentadas, sem que seja necessário realizar a posterior interpretação das mesmas.”
Vamos ter que aguardar o lançamento do portal para poder ver no que consiste já que o Presidente do INEP nos sonegou tal informação. Mas pelas informações apresentadas na UNDIME, note-se que em nenhum momento se fala em disponibilizar na análise pedagógica o nível socioeconômico da escola ou de outras variáveis que afetam o trabalho da escola e do professor. O texto está “higienizado” das variáveis externas da escola que somam quase 60% da explicação das diferenças entre os estudantes.
Lamentável, portanto, que os educadores venham a ser os últimos a saber.
Lamentável que o INEP não se disponha a debater com os educadores profissionais as suas políticas financiadas com fartos recursos das fundações privadas.
Lamentavel que o INEP se proponha a ampliar o controle sobre as nossas escolas a partir de “big data” ou melhor “big brother” criando tabuletas eletrônicas que rotulam escolas e que poderão no futuro ser usadas cada vez mais para constranger os diretores e professores das escolas públicas brasileiras.
Esta é a concepção que o INEP tem sobre como melhorar a educação brasileira e que ele nega que seja uma concepção liberal, uma concepção ligada aos reformadores empresariais da educação.
Depois disso, só nos resta acreditar que papai noel também existe.