Pátria educadora: novo texto, mesmas ideias – VI

O documento mais relevante para se entender para onde se dirige toda esta superestrutura jurídica que a SAE quer criar é o Parecer do CNE homologado em 22/11/2011 por Fernando Haddad. Ele está agora colocado na base da proposta da SAE. A implantação das teses dos reformadores é mais facilmente visível nos Municípios e Estados. Primeiro porque é neles que se realiza a educação básica, depois pela diversidade de posições que facilita acordos de implantação programáticos, via partidos.

Neste Parecer citado, está criada a base do sistema nacional de educação, sobre a qual, agora, a SAE constrói a sua torre jurídica, montando a estrutura que irá garanti-la. A leitura do Parecer do CNE mostra que os reformadores empresariais já naquela época (2011) estavam, com a proposta dos ADEs – arranjo de desenvolvimento educacional –, tentando instituir um sistema nacional de educação ao nível horizontal, ficando em aberto a sua construção vertical (matéria que a SAE está agora propondo). Nele pode se ler:

“Comumente, o regime de colaboração previsto na constituição e na legislação é visualizado e posto em prática, em geral, na sua forma vertical, ou seja, de colaboração da União com Estados, Distrito Federal e Municípios, e dos Estados com seus Municípios. Este parecer pretende nortear a forma de cooperação horizontal, essencialmente entre entes federados do mesmo nível, no caso os municípios, protagonistas e atores central do processo que visa a assegurar às duas primeiras etapas da Educação Básica de qualidade e a desenvolvê-la no espaço geográfico a eles comum, mas de forma articulada com os Estados e a União.”

Ou seja, não havia condições jurídicas para se propor uma cooperação vertical, na forma que seria necessário. Faz-se, portanto, seja pela importância, seja por impossibilidade, uma proposta no plano horizontal.

Já naquele Parecer se enfatiza a necessidade de que para o ADE funcionar no nível regional, ou municipal, é fundamental a participação das esferas estadual e federal. O atual documento da SAE completa o trabalho iniciado por Mozart Ramos Neves (Relator da matéria no CNE) – membro do Todos pela Educação e hoje no Instituto Airton Senna. O Parecer foi produzido por uma comissão composta por Mozart Ramos Neves, Cesar Callegari, Adeum H. Sauer, José Fernandes Lima e Rita Gomes do Nascimento. Foi entregue ao MEC em 30-8-2011 e homologado em novembro do mesmo ano. Lá também se pode ler que:

“Analisa-se, nesse sentido, uma das formas de colocar em prática o regime de colaboração, aqui denominado arranjos de desenvolvimento da educação (ADE). Os ADEs, não obstante a forte característica intermunicipal, devem agregar a participação do Estado e União, incluindo ou não a participação de instituições privadas e não governamentais, tais, como empresas e organizações diversas, que assumem o objetivo comum de contribuir de forma transversal e articulada para o desenvolvimento da educação em determinado território que ultrapassa as lindes de um só Município, sem que haja para isso transferência de recursos públicos para tais instituições e organismos privados.

Em relação a este final da citação, devemos lembrar que existem dois aspectos associados à questão da privatização da educação: um referente a quem controla e define políticas, de caráter mais ideológico; outro, mercadológico, ligado à questão de abertura de mercado e ao faturamento. O ADE proposto procura evitar o repasse de recurso público diretamente a “instituições e organismos privados”, ou seja, coloca a questão do não recebimento de dinheiro público por estas. No entanto, mantém aberto o acesso às políticas, metodologias e ao controle da educação pela via das organizações e instituições sem fins lucrativos (Fundações, etc.). Meia dúzia de Fundações controlam a educação americana com doações.

Ou seja, a associação de empresas nos ADEs supõe que o interesse dos envolvidos não esteja em receber o dinheiro público – não pelo menos diretamente. Apresenta-se, pois, ao nível de uma ação ideológica e filantrópica das empresa ou organizações envolvidas, o que lhe permite acesso ao controle ideológico e das políticas locais.

Mas há outras formas de contentar o pessoal do faturamento com recursos públicos. Entre elas a mudança dos próprios dispositivos legais futuramente. Basta pensar, por exemplo, em uma espécie de “lei rouanet da educação”, pela qual você retém antecipadamente recursos que deveriam ser públicos, ou seja, impostos que deixam de ser recolhidos em proporção ao investimento (doação) que as empresas fazem em educação. Ou então via Fundação, modelo preferido dos norteamericanos, pela qual a insenção fiscal é feita pela empresa detentora da fundação a partir da doação feita a um ADE. Portanto, o pessoal do faturamento tem como resolver o problema por outras formas. Quem está diretamente ligado ao faturamento será beneficiado de imediato pela criação de demanda e mercado, participando de outras formas do ADE. Aqui, a criatividade é muito ampla. O próprio Parecer fala em montagem de consórcios que certamente permitirão contratação indireta nos ADEs.

Continua no próximo post.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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