O parecer que estamos analisando, como vimos, dá base para a cooperação horizontal e neste sentido, é complementado pelo atual documento da SAE que pretende criar a cooperação vertical. Dentro da proposta de cooperação horizontal, nos Municípios, o Parecer admite a possibilidade dos consórcios públicos.
“A primeira [dimensão], diz respeito à cooperação entre territórios, incluindo aí formas de associativismo e consorciamento. Trata-se da criação de entidades territoriais, formais ou informais, que congregam, horizontal ou verticalmente, mais de uma esfera de governo de entes federados diversos. A segunda dimensão da coordenação vincula-se à conjugação de esforços inter e intragovernamentais no campo das políticas públicas. “
O Parecer segue, então, descrevendo os consórcios públicos que podem ser desenvolvidos dentro dos ADEs:
“O consorcio público é pessoa jurídica formada exclusivamente por entes da federação na forma da lei 11.107/2005 para estabelecer relações de cooperação federativa para a realização de objetivos de interesse comum, constituída como associação pública, com personalidade jurídica de direito público e natureza autárquica, ou como pessoa jurídica de direito privado sem fins econômicos.”
“Os consórcios públicos também podem se constituir num importante espaço de diálogo e fortalecimento das relações entre o poder púbico e as organizações da sociedade civil, articulando parcerias, convênios, contratos e outros instrumentos congêneres ou similares, facilitando o financiamento e a gestão associada ou compartilhada dos serviços públicos (grifos meus).”
O Parecer escancara as portas para a privatização da educação e para sua colocação sob controle de entidades comandadas por empresários. Abre um mercado para contratação de empresas de consultoria, planejamento, avaliação, produção de materiais de ensino, uso de tecnologias da educação, entre outras.
Como exemplo, o próprio Parecer elenca experiências de ADEs que motivaram a proposição da medida e apresenta um esquema geral da metodologia a ser seguida. A abrangência dos ADEs inclui ações de gestão educacional, formação de professores e dos profissionais de serviço e apoio escolar, práticas pedagógicas e avaliação, e infraestrutura física e recursos pedagógicos.
São citados no Parecer: o ADE do recôncavo baiano, com 12 municípios, e que foi incentivado pelo Instituto Votorantim; o ADE meridional de Pernambuco, com 23 municípios, incentivado pelo SESI-PE, com apoio da Confederação Nacional da Indústria; o ADE do corredor de Carajás no Maranhão, com 16 municípios, incentivado pela Fundação Vale e estruturado pela Comunidade Educativa (CEDAC) que motivou o aparecimento de outros sete.
Estes arranjos iniciaram em 2009 e tiveram apoio do Movimento Todos pela Educação, em parceria com diferentes instituições públicas e privadas.
Este é o horizonte do documento da SAE: completar a cooperação horizontal proposta em 2009 em Parecer do CNE, com um instrumento de cooperação vertical, dando a ambas uma nova estrutura jurídica. Visa, agora, construir a torre vertical jurídica e financeira sobre esta base horizontalizada.
Haveria que se perguntar onde estas ideias produziram educação de qualidade e quais foram, além disso, as consequências nefastas destas políticas. Tudo isso está disponível na literatura. O país que mais fez uso destas estratégias estava, antes delas, na média do PISA e continua, após 10 anos destas políticas, na mesma média do PISA: os Estados Unidos.
Nada disso detém os reformadores empresariais. Outros são os interesses que comandam a adoção destas ideias.
A crise institucional brasileira associada à crise financeira do Estado vai ajudar a empurrar a educação brasileira para a privatização, para a dependência de Fundações e ONGs reproduzindo aqui, os mesmos problemas que hoje podem ser observados em outros países usuários destes milagres. Não é questão de ciência, é fé. Os reformadores simplesmente têm fé nas ideias de mercado, na política de controle sobre os sistemas, professores, diretores e estudantes através de incentivos e regras hierárquicas, regadas a boas práticas copiadas. Estamos iniciando um longo ciclo de políticas nesta direção.
Este ciclo de política gerará mais décadas perdidas para a educação. Fatalmente, teremos que reconhecer seu fracasso como os pesquisadores americanos hoje reconhecem o fracasso em seu país com estas políticas. Então, teremos que voltar ao principal: à questão das políticas econômicas e sociais como causadoras dos problemas sociais, inclusive os educacionais. Teremos que reconhecer que sem alterar as políticas econômicas e sociais, não há como resolver os problemas por elas causados.
As políticas propostas pela SAE vão abrir um grande mercado, no mínimo colocarão a educação ideologicamente sob controle dos negócios e no máximo, além disso, gerarão um grande mercado lucrativo. Eis as reais motivações. Nenhuma das duas, tem compromisso com a qualidade social da educação. Berliner afirma em recente artigo:
“Este trabalho surge da frustração com os resultados das reformas escolares realizadas ao longo das últimas décadas [nos Estados Unidos]. Estes esforços falharam. Eles precisam ser abandonados. Em seu lugar deve vir o reconhecimento de que a desigualdade de renda causa muitos problemas sociais, incluindo problemas relacionados com a educação. Infelizmente, em comparação com todos os outros países ricos, os EUA tem a maior diferença de renda entre seus cidadãos ricos e pobres. Correlações associadas ao tamanho da diferença de renda em várias nações estão bem descritas em Wilkinson & Pickett (2010), cujo trabalho é citado ao longo deste artigo. Eles deixam claro que, quanto maior a diferença de renda em um país ou um estado, maiores serão os problemas sociais que uma nação ou Estado irá encontrar. Assim, argumenta-se que a concepção de melhores políticas econômicas e sociais pode fazer mais para melhorar nossas escolas do que o contínuo trabalho com a política educacional feito independentemente destas preocupações.”