O INEP agregou o nível sócio econômico como um fator a ser levando em conta na apresentação dos dados do ENEM. Parabéns. Precisava mesmo. As análises da mídia assumem que o nível socioeconômico divulgado pelo INEP seja preciso. Vamos, generosamente, deixar de lado a precariedade do cálculo de nível socioeconômico do INEP.
O que se viu em seguida à inclusão do nível socioeconômico na divulgação dos dados? O aumento da tentativa de “legitimar” a comparação entre escolas públicas e particulares, pela inclusão do nível socioeconômico, e continuar, como em anos anteriores quando não havia nível socioeconômico, a difundir a ideia de que as escolas públicas são piores do que as particulares. Com ou sem nível socioeconômico continua não havendo base para tal comparação no ENEM.
Por trás deste estímulo à comparação está a ideia da competição saudável entre as escolas para produzir um sistema “mais equilibrado”. As consequências se apresentam, como aponta Helio Schwarztman na Folha:
“Isso fica escancarado no setor público, onde a diferença entre as instituições que promovem vestibulinhos, como as escolas técnicas ou as federais, e a rede comum, aberta a qualquer aluno, é importante. Entre as privadas, o mecanismo é só um pouco mais sutil: a mensalidade. A renda dos pais é o fator que permite prever com maior precisão o desempenho escolar do aluno. Um modo eficaz para uma escola subir no ranking é simplesmente elevar o valor da mensalidade.” (Grifos meus.)
Algo que o conselho de reitores das universidades americanas pratica há muito tempo para obter alunos que sejam oriundos de pais mais ricos e com isso aumentar a possibilidade de conseguir mais doações nas famílias dos estudantes que ingressam. Pobre não doa.
O articulista conclui:
“Nas próximas edições, podemos esperar novas estratégias de escolas para aparecer bem no ranking.”
Reclama-se das consequências, mas não se pensa em deter a corrida. Ao contrário cada novo passo é assumido dentro da lógica anterior. Isso se deve à crença de que as teses dos reformadores são corretas, precisando apenas que sejam feitas de forma competente. Assim, os problemas que elas apresentam, hoje, serão corrigidos nas versões seguintes. Esquece-se de que são os conceitos que estão equivocados e não apenas os métodos em si.
Todos sabem que o ENEM é um exame voluntário e nem todos os alunos de uma escola participam, no entanto, toma-se o conjunto de alunos que participam do exame como se este fosse representativo da escola ou, o que melhora um pouco mas não resolve, como representativo de uma determinada rede de ensino. A introdução do nível socioeconômico vira uma tentativa de legitimar ainda mais as supostas diferenças, como se o desempenho melhor da escola privada fosse devido à forma de gerenciamento privado da escola. Com isso justifica-se, depois, a privatização do público. Isolam-se alunos que têm supostamente nível socioeconômico equivalente e mostra-se como, mesmo assim, a escola pública é ruim.
De fato, a pergunta é: como se sairiam os estudantes das escolas particulares com nível socioeconômico alto, se estivessem cursando a escola pública, na comparação com a privada? Por aí se vê que esta comparação não diz nada sobre as demais variáveis que estão embutidas na situação “cursar escola pública”. Isso inclui, qualificação e salários de professores, infraestrutura disponível para professores e alunos, entorno da escola, metodologia utilizada, processos de controle internos desenvolvidos pelas escolas – incluindo simulados e outras pressões sobre professores e alunos, e por aí vai. Mas tudo isso é resumido dizendo-se que “os alunos são comparáveis quanto ao nível socioeconômico”. OK, mas e as escolas? São comparáveis? Os professores são comparáveis?
Portanto, o ponto central é nos colocarmos de acordo em relação a uma cesta de critérios de avaliação das escolas e de seus estudantes, professores e gestores. Isso se não resolve todos os problemas, nos levaria a uma melhor posição de análise que, combinada com estudos qualitativos (e não meras avaliações anuais) nos permitiria ter uma melhor compreensão dos fatores intra (20%) e extra (60%) escolares que afetam o desenvolvimento dos estudantes.
Esta avaliação mais ampla pode nos levar à conclusão de que o nível socioeconômico é relativizado em seus efeitos no caso da escola particular, pela atuação de outras variáveis que igualmente afetam o desenvolvimento do aluno. No entanto, não é o mesmo em relação à escola pública, onde estas outras variáveis não estão presentes com o mesmo valor, ainda que o aluno tenha o mesmo nível socioeconômico. É por isso que todo este “exercício teórico” feito sobre os dados do ENEM é uma perda de tempo, pois é ilação sobre dados limitados.
Isso tudo é sabido. Mas não convém.
AS REFLEXÕES DESSE BLOG TÊM ME AJUDADO A COMPREENDER MUITO SOBRE A EDUCAÇÃO BRASILEIRA E ESTIVERAM PRESENTES NA MINHA PESQUISA DE MESTRADO SOBRE “A PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA NA GESTÃO DA ESCOLA PÚBLICA EM PERNAMBUCO: DE UM PROGRAMA EXPERIMENTAL À CONSOLIDAÇÃO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA DE GESTÃO PARA RESULTADOS”. OBRIGADO PROFESSOR POR SER ESSE FAROL ILUMINANDO AS NOSSAS REFLEXÕES. EMANOEL LOURENÇO
Essa planilha divulgada pelo INEP só me faz refletir sobre uma coisa: onde está o restante das escolas? Cadê as escolas que trabalham com os alunos de níveis socioeconômicos baixo e muito baixo? O que precisamos fazer para convencer os alunos mais pobres de que o ENEM também é deles? Ou melhor, quando, nós professores, vamos perceber o contrário, que os ausentes tinham razão?