Costin: messianismo X habilidades socioemocionais

Claudia Costin quer enfrentar messiânicos e supremacistas brancos com o ensino de habilidades socioemocionais. “No pasaran”, diz ela. Em nome de combater o mal, o Estado pode padronizar personalidades através de Bases Nacionais Comuns obrigatórias que incluem habilidades socioemocionais, seguidas de exames nacionais obrigatórios?

Sempre que há algum problema social grave, logo se pensa em convertê-lo em uma “disciplina” ou em algo a ser ensinado na escola como se ela pudesse sobrepor-se à própria realidade. Ao invés de pensar em aprimorar a filosofia social, logo se pensa que ela não está sendo bem compreendida, bastando ensiná-la melhor. Anulam-se as bases sociais e econômicas dos conflitos e transferem-se os problemas para as pessoas e as escolas.

Leia aqui artigo na Folha de SP.

O diagnóstico é que:

“A geração que vivenciou o drama está indo embora e, em breve, os supremacistas brancos e o discurso de ódio parecerão novidades, prontas a inflamar jovens frustrados com um presente infeliz, ansiosos para encontrar inimigos e saídas tão fáceis quanto equivocadas. A busca de culpados externos para os nossos males tem sido um expediente frequente de políticos manipuladores e caem bem em populações sem amadurecimento político.”

Este é o problema: “não se frustrar com um presente infeliz” – mas, por que ele é infeliz, não importa. E logo vem a conclusão que isola o problema das suas bases sociais e políticas tentando convertê-lo em uma questão de aprender habilidades socioemocionais e a distinguir entre o “bem e o mal”:

“Daí a urgência de avançar na Base Nacional Comum Curricular, que vem sendo debatida em audiências públicas pelo Conselho Nacional de Educação, e fortalecê-la com um bom conjunto e sequenciamento de conhecimentos, habilidades e competências. Um país com uma educação de qualidade sofrível se torna captura fácil de líderes fisiológicos ou messiânicos, que ou pensam pequeno ou buscam anular o potencial de contribuição dos indivíduos.”

E por aí vai. Como a Base incorpora competências socioemocionais no trabalho a ser desenvolvido pelas redes de ensino, os alunos serão instados a ser empreendedores, ter “empatia, persistência e resiliência”. Um jovem que consegue ter empatia tende a não olhar para o outro com desprezo, diz ela. E como não podia deixar de ser, tudo isso depende do professor.

Da análise de Claudia deduzo que, até mesmo se o Estado Islâmico se ampliar, a culpa será da escola e seus professores. No caso da proliferação do Estado Islâmico, gente de Washington com nota alta no PISA, em associação com o “empreendedorismo” de Wall Street, iniciou uma guerra no Iraque com repercussões mundiais que agora são difíceis de controlar e afetam a vida de inocentes. Este pessoal estava com as habilidades socioemocionais em dia. Como se vê, há mais razões que alimentam o messianismo e até mesmo o simples desprezo e elas não estão na escola.

Mais ainda, não cabe à escola “padronizar” personalidades em Bases Nacionais Comuns obrigatórias, em nome do bem contra o mal. Já vimos a que leva isso: exatamente ao Holocausto que Claudia quer evitar.

***

Observação: este post foi atualizado pois o anterior incluía um tema que, de fato, não estava posto no texto de Claudia Costin – “Estado Islâmico” – e não deixava claro a introdução desta questão por mim, que o inclui por considerá-lo também messiânico.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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3 respostas para Costin: messianismo X habilidades socioemocionais

  1. Interessante o seu blog e a revisão dessa postagem.
    Contudo, também não podemos reduzir a importância das habilidades socioemocionais a uma mera questão de “culpabilização” que a sociedade pode fazer de professores e estudantes, num contexto escolar onde parece que tudo, inclusive o Estado Islâmico, poderia ser resolvido.
    Não, a galera de Washington não estava bem capacitada socioemocionalmente! Por isso deu no que deu e dá no que dá. E isso poderia ser talvez minimizado nas escolas, sim.
    Quero entender mais dessa perspectiva do blog, de que os professores não podem ser considerados Messias. É isso? Ou estou lendo errado?
    Acredito que no momento em que professores (as) forem respeitados(as) e respeitarem a si mesmos(as), então não há porque temer o “messianismo”, desde que essa responsabilidade seja distribuída por toda a população e sociedade, e não só na sala de aula (mas seria exemplar se esse respeito expansivo começasse nela).
    Gratidão pelas postagens.

    • A discordância que tenho com ela é a mesma que tenho com seu texto: não há ninguém desequilibrado em Washington. Atribuir as causas das guerras e do messianismo a desequilíbrios emocionais, oculta a causa real. Não ajuda no próprio combate. Em Washington, como eu disse são todos PhD em habilidades socioemocionais.
      Além disso, a questão básica não foi abordada: em nome do combate ao mal vamos padronizar habilidades socioemocionais?
      Abraço
      Luiz

  2. Eloisa De Blasis disse:

    Também me pergunto professor: Porque agora a escola seria o centro de desenvolvimento de habilidades sócio-emocionais? Como pode ela resolver os desequilíbrios sócio-emocionais de jovens imersos em uma sociedade em que a desigualdade, a violência e a insegurança estimulam desequilíbrios mentais de toda ordem? Uma sociedade cujos valores associados ao individualismo, egoísmo e competição só fazem aprofundar a violência, o racismo e a desigualdade.
    Aprende-se habilidades sócio-emocionais, ou, subjetivas, na convivência social e familiar, nas relações de trabalho, em diversos espaços cuja influencia pode ser até maior que a da escola. Atribuir essa tarefa à escola, por meio de currículos específicos é hipocrisia.
    Concordo com o Senhor. Em Washington os PhD em habilidades sócio-emocionais fazem bom uso de seus conhecimentos para manipular e jogar com o poder, estimular conflitos e messianismos mundo afora, acobertar atrocidades. A quem interessa o avanço dos “supremacistas brancos”? Quem hoje os estimula a sair da toca e cometer abusos sem ser repreendidos ou contidos?
    O que está fora da escola também está dentro dela, por isso, o respeito aos professores, assim como o seu auto-respeito começam por sua valorização social e profissional.

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