Novo ENEM: só nos resta palpitar…

A presidenta do INEP, Maria Ines Fini, veio a público através de um artigo no Estadão (“ENEM sem terrorismo”) para, segundo ela, acalmar os “palpiteiros de plantão” – referindo-se às mudanças do ENEM. No entanto, seu artigo é inócuo.

Leia o artigo aqui.

Primeiro porque ela reitera que o ENEM terá mais do mesmo, ou seja, continuará o que começou a fazer em 2009: medir competências e habilidades. Segundo, nos diz o óbvio: o novo ENEM vai alinhar-se à nova Base Nacional Comum do Ensino Médio. Os reformadores empresariais adoram “alinhar” para padronizar. Pensam que “controle” garante a qualidade da educação. Por isso atrelaram os Secretários de Educação ao governo através do Consed e Undime. Ao lado destes está de plantão a Fundação Lemann com seu habitual saco de dinheiro e o BID para financiar a BNCC. Terceiro, porque sem nada relevante para agregar sobre o próximo ENEM, limita-se a presidenta a nos dizer que os técnicos do INEP estão cuidando do assunto com muita competência técnica. Que os técnicos tratam do assunto com muita competência e técnica também já sabíamos.

O INEP ainda terá tempo para pensar a nova versão do ENEM para ingresso no ensino superior e o SAEB, avaliação da educação básica. Penso que haverá mais dificuldades na implementação do novo SAEB (não falo de equalização de escalas, mas de desempenho dos estudantes) do que do novo ENEM.

Se a BNCC fosse simultaneamente implantada em 2019 para todas as escolas do ensino fundamental e médio, o que não é garantido, mesmo assim os alunos estariam plenamente em condições de fazer as novas avaliações baseadas na BNCC apenas dentro de alguns anos. No caso do ensino médio a primeira turma pós reforma se formaria em 2021.

No entanto, o mais provável é que teremos situações híbridas: alunos do ensino fundamental e do médio tendo cursado alguns anos na versão antiga e alguns na nova versão. Isso terá impacto diferenciado na avaliação do ensino fundamental anos iniciais e anos finais – Prova Brasil da 5a. e 9a. séries. Mas no caso do SAEB, não estará em jogo o ingresso ou não no ensino superior, como é o caso do ENEM. Em relação ao SAEB interessaria ainda saber se o exame do ensino médio será único ou subdividido pelos itinerários; se será obrigatório para a conclusão do médio ou não.

Como as escolas lidarão com tudo isso? Não sabemos, até porque isso não está na alçada do INEP e sim dos sistemas estaduais e, além disso, em um novo governo (estadual e federal) saído das conturbadas eleições deste ano. Dificuldades na implementação pelas redes ou nas avaliações, como ocorreu nos Estados Unidos na implantação do Common Core, podem fazer as médias cairem.

Quanto ao ENEM, a dica está dada logo no início do artigo:

“… nossos pesquisadores acompanham as mudanças estruturais das políticas educacionais e pensam, com muita competência técnica, propostas de novos constructos para os exames e avaliações da educação básica sob sua responsabilidade: o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) e o próprio Enem.”

Note-se que o ENEM aparece como exame independente, ao lado do SAEB. Portanto, como já sugerido antes em críticas do próprio MEC ao papel do atual ENEM, penso que o novo SAEB do ensino médio assumirá a avaliação deste (e não mais o ENEM como é hoje), e haverá um exame específico (um novo ENEM ou um novo “vestibular”) para ingresso no ensino superior – independentemente da avaliação do ensino médio e do percurso dos alunos e do currículo (antigo ou novo) cursado pelo aluno – ainda que baseado na BNCC. Isso é o mais provável devido às mudanças já efetuadas no SAEB do médio, o qual destina-se especificamente a medir a educação básica – fundamental e médio. Recentemente ele passou a ser censitário e não mais apenas amostral como era antes, também para o ensino médio. Com o novo SAEB será também possível ranquear escolas no ensino médio. Com isso,  se configurará a separação total entre a avaliação do ensino médio e os processos de ingresso no ensino superior.

Separar os dois processos não está errado. Deveria ter sido feito há muito tempo. Uma coisa é avaliar, outra é selecionar. A vocação do atual ENEM é selecionar e não avaliar. A questão é que uma parcela dos estudantes, durante algum tempo, não terá estudado pelas novas competências e habilidades da BNCC – isso sem falar das habilidades socio-emocionais que não sabemos se serão ou não exigidas logo de início.

A vantagem deste caminho para os novos gestores do INEP é que este novo exame para ingresso no ensino superior não dependeria do ritmo de implementação da reforma do ensino médio. O prejuízo de eventual defasagem em relação à BNCC é repassado aos estudantes diretamente, especialmente aos de menor renda, pois no caso de uma nova seleção independente do SAEB para o ensino superior, ela funcionaria como um “vestibular independente” do SAEB. Os cursinhos, simulados e plataformas de aprendizagem é que entrariam em cena. Caberia ao estudante atualizar-se nas competências e habilidades da BNCC.

A presidenta reclama que os “palpiteiros de plantão” não se lembraram de consultar o INEP. Mas por que consultariam? Para ouvir o mesmo que foi dito no artigo do Estadão? Se há “palpiteiros de plantão” isso se deve à  ausência de informações oficiais sobre o assunto. E ela continua.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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