Postado originalmente na Uol em 25/01/2012
Mercadante assumiu o MEC. Apressou-se em negar que esteja atrás de algum projeto pessoal, leia-se, aumentar suas possibilidades de ser candidato ao governo do Estado de São Paulo em 2014. Quando os políticos dizem que não, leia-se “sim”. Isto significa que sua passagem pelo MEC poderá ser curta, em um ministério onde nada se resolve com curto prazo, já que as medidas sérias em educação levam tempo para surtir efeito. O governo Dilma significará mais quatro anos perdidos para a educação e, pior, um governo que escolhe caminhos aparentemente mais fáceis para enfrentar o complexo problema educacional, mas que nos levarão a outra década perdida, com a adoção de políticas de responsabilização. Podem ter impacto eleitoral, que é o que se procura, mas só agravarão nossos problemas. Como já dissemos várias vezes aqui, em educação não há atalhos.
Resta o que, então? Medidas de efeito rápido. Como todos têm pressa, sob o ritmo do tempo eleitoral, as soluções serão bem próximas às que vem defendendo o Movimento Todos pela Educação e outros. Coerentemente com isso, ocorre logo ao novo Ministro alardear uma ação que já vinha sendo articulada durante a fase Haddad, apresentado pela Secretária de Educação Básica em novembro de 2011, o lançamento do programa de alfabetização na idade certa – PAIC. Uma visão geral do programa pode ser lida em Cadernos do Cenpec. Também há o site da Secretaria de Educação do Ceará.
Essa medida requentada, no entanto, é bem emblemática da orientação que o MEC já estava tomando na fase final de Haddad e que o aproxima cada vez mais das políticas de responsabilização. Todos sabemos que as redes públicas estão comprando os tais sistemas prontos, apostilados, que são recheados de controle da ação do professor e do aluno em sala de aula. A proposta de Mercadante simplesmente oficializa e reforça a política de apostilamento das redes, agora, pelo próprio poder público federal. Com isso, abortam-se os esforços que vinham sendo feitos pelo MEC com o ProLetramento, um projeto com apoio do CEALE e mais 10 universidades e que visava desenvolver o professor e a escola e não tutelá-los. A opção é clara.
O PAIC não é mais que um apostilamento da rede pública do Ceará recheado de controle. Desprofissionaliza o professor, regulando sua atuação profissional em sala de aula. Não favorece o seu desenvolvimento. Inclusive é uma das primeiras experiências de uso do conceito de “arranjo educacional”, que o conselheiro Mozart Ramos, ponta de lança do Movimento Todos pela Educação no Conselho Nacional de Educação propôs, aprovou e foi homologado pelo Haddad em novembro passado. Visa articular o poder público em escala vertical com o apoio do empresariado em escala horizontal, ao nível municipal.
O discurso de posse do novo Ministro foi marcado pelo relançamento do PAIC. O PAIC visa alfabetizar crianças de até 8 anos. Foi lançado no Ceará em 2007 e segundo estudos, melhorou em 43 pontos a média dos alunos em leitura, no período de 2007 a 2010, nas provas feitas pela própria Secretaria de Educação do Ceará. Como não temos estudos independentes sobre a experiência, aguardemos para conferir.
Além do apostilamento das redes e de favorecer a lógica da responsabilização, duas falas marcam o caminho despolitizado que o ministro pretende implementar e que, na verdade, estão exemplificados na adoção do PAIC do PSB de Cid Gomes no Ceará, o qual foi consultor do Banco Interamericano de Desenvolvimento, ante de ser governador:
“A quem vier não perguntarei por partidos ou ideologias, mas eu demandarei com rigor competência técnica e espírito público e comprometimento com o país”.
“A minha gestão a frente deste ministério […] será sim uma alavanca suprapartidária para a melhoria da educação brasileira, assim como aconteceu no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.”
Aloisio Mercadante, 2012, discurso de posse no MEC.
O discurso da supremacia técnica e o apelo suprapartidário é o mesmo do Movimento Todos pela Educação e do Parceiros da Educação, think tank do PSDB, que em sua proposta diz:
“O ponto de partida desta “transformação” consiste em uma ampla mobilização da sociedade em torno do problema da qualidade da educação básica. Só com a liderança dos novos governantes e participação de todos os setores da sociedade teremos a capacidade para superar os desafios.
Esse objetivo, por sua vez, deve ser viabilizado mediante um ambicioso Plano multipartidário e plurianual de transformação, que ultrapasse as tradicionais limitações de mandatos, esferas governamentais e alianças políticas, acompanhado diretamente pelo Presidente da República junto a um Comitê de Acompanhamento da Reforma Educacional “(Grifo meu, LCF).
O discurso acima, multipartidário, convém ao PSDB, pois permite a quem está fora do governo, definir a política de quem está dentro, governando.
O Movimento todos pela Educação também ressaltou a questão do pacto nacional, dizendo em seu site:
“Mais tarde, em evento de transmissão de cargo no MEC, Mercadante defendeu que a Educação deve ser uma “saudável obsessão” da sociedade, em um pacto nacional, com elevação responsável dos investimentos no setor e melhora da gestão” (Grifo meu, LCF).
Seu colega de posse, o ministro Raupp, na Ciência e Tecnologia, já assumiu falando em parceria com empresas para produzir conhecimento, desqualificando a Pós Graduação que considera voltada para preparar quadros só para a própria universidade.
Enfim, a estreia do ministro Mercadante e as medidas anunciadas, como eu temia, configuram o reconhecimento claro de que o PT não tem nenhuma proposta para a educação, ou se teve algum dia, não se lembra mais dela.