Postado originalmente na Uol em 24/03/2011
Os políticos e reformadores empresariais da educação gostam de números. Em parte porque, com eles, pode-se fazer quase tudo. Inclusive maquiar políticas e impactos. Hoje pode-se ler na Folha de São Paulo (24-3-2011) a manchete “Rio muda critério e apaga surto de dengue”. A dengue continua, nada mudou na realidade, mas já não se pode culpar o governo de ter uma epidemia.
A “mandrakaria” é simples: O critério da Organização Mundial de Saúde considera que existe epidemia quando há mais de 300 casos por 100 mil habitantes. A Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro adicionou mais um critério – isso vale, mas a contagem é feita somente tomando como referência as últimas cinco semanas. Ou seja, os casos anteriores a cinco semanas, pouco mais de um mês, não são incluídos. Fácil. Desapareceu a epidemia em 14 bairros do Rio de Janeiro.
Isso não muda a doença e sua velocidade. Mas agrada os políticos e retira o Estado da mídia negativa.
A lição do episódio é clara: olhe sempre para a metodologia e exija transparência dos critérios.
O mesmo vale para a educação. Como já comentamos neste Blog, o Estado de São Paulo, por exemplo, mudou sua escala de interpretação dos resultados do Saresp recentemente para apenas três posições: insuficiente, suficiente, avançado.
Se ela tivesse mais posições, por exemplo: abaixo do básico, básico, proficiente e avançado, a história poderia ser outra. Mas usando apenas três posições, o Estado aparece com mais de 60% dos alunos como suficientes. Ou seja, a “mandrakaria” faz com que mais alunos sejam considerados “suficientes”.
Alguns estudos sobre a eficiência de escolas charters, nos Estados Unidos, tentam mostrar que elas produzem resultados melhores, por exemplo, mas não mostram a origem social dos alunos que atendem, não mostram a quantidade de alunos que estão na linha da miséria que elas atendem, não mostram a quantidade de alunos com necessidades especiais que atendem, não revelam o tipo de contrato que fazem os pais assinarem quando matriculam seus filhos, não revelam o tipo de pedagogia que põem em prática com seus alunos, etc. Focam apenas números.
A razão, em parte, é esta. Números podem dizer quase tudo que nós queiramos, na dependência de quanto nós decidamos tortura-los…
Muito bom! Hoje nos casos coronavirus vemos isso acontecer, mais uma vez.