Divulgar a crise e verticalizar as decisões: mais sobre o Manifesto (V)

Postado originalmente na Uol em dezembro/2010

A parte 2 do Manifesto chama-se “uma visão para transformar a educação básica brasileira”. Inicia com um “resumo” onde se propõe como ponto de partida uma “ampla mobilização da sociedade em torno do problema da qualidade da educação básica”. Assinala que só com a liderança dos novos governantes e a participação de todos os setores da sociedade poderemos superar os desafios. À primeira vista, parecera que a visão dos novos reformadores se encaminhasse para um envolvimento democrático e amplo da sociedade “de todos os setores”.  Tendo perdido a eleição, os apoiadores de Serra propõem, agora, em dezembro de 2010, às portas da posse da nova Presidente “um plano multipartidário e plurianual de transformação” para além das “tradicionais limitações de mandatos, esferas governamentais e alianças políticas”. A aparente democracia, entretanto, dura pouco. Logo em seguida o autoritarismo é recuperado: “acompanhado diretamente pelo Presidente da República junto a um Comitê de Acompanhamento da Reforma Educacional”.

Ou seja, os novos reformadores propõe um controle paralelo da educação básica com linha direta entre o Comitê e a “chefe”. Toda a atual estrutura do MEC, CNE, Conferências, etc., é subordinada a esta linha de comando verticalizada, bem ao sabor da iniciativa privada. Veremos em outra parte do documento como pretendem compor este Comitê.

 Os EUA usam persistentemente esta estratégia de chamar a sociedade para controlar a educação, desde 1920. O que se viu foram os empresários e homens de negócio em geral – a real sociedade que os reformadores têm em mente – assumirem o controle local, estadual e nacional da educação.

Este resumo finaliza apontando os seis macrotemas fundamentais que o documento tratará: 1. Reestruturação da formação e da carreira do magistério; 2. Fortalecimento da liderança e da capacidade de gestão das escolas; 3. Reforma da estrutura da escola e novos sistemas de ensino;  4. Reforma do ensino médio; 5. Criação de um currículo mínimo nacional e aperfeiçoamento das avaliações; 6. Reforço das políticas de investimento.

O item seguinte desta parte trata da “mobilização da sociedade em torno do problema da qualidade da educação pública”.

Segundo o documento, tal mobilização é necessária pois “a população, em sua maioria (notadamente a menos favorecida e titular do maior número de votos), não reconhece a péssima qualidade de nossa educação”.  Há que se lembrar que este documento foi preparado durante as eleições para presidente, daí a referência a votos. Finaliza propondo uma estratégia de mobilização:

1.       “Ampla divulgação da real situação da qualidade da educação básica do país, alertando a população no sentido de que mudanças de base serão necessárias para corrigir este problema.”

Na visão dos novos reformadores, o povo ignora a “real situação”. Ou seja, seguindo na linha de Freedman, é preciso criar a crise, divulgar o caos, para em seguida, mobilizar e transformar. Para Freedman, só há mudança se houver uma crise – real ou percebida. Daí que tenha que haver, antes, uma mobilização de atemorize o povo, denuncie os números estarrecedores da educação brasileira.  Para isso é preciso contar:

2.       “Com a obtenção do apoio da mídia e o acionamento de novos meios de comunicação viral”.

3.       Fortalecendo instituições da sociedade que militem na área da educação, coordenando campanhas esclarecedoras à população e aos formadores de opinião (grifos meus)

Vale dizer, mobilizando ONGs, Fundações privadas, etc. como se verá adiante.

4.       “Apoiando associações de pais e mestres das escolas, incentivando os pais e as comunidades a se envolverem mais com a educação dos seus jovens, e

5.       Mobilizando as classes política, sindical e empresarial em torno do tema.”

E agrega de forma reveladora: “O movimento Todos pela Educação é um grande avanço nesta direção e tem realizado um papel importante para a sociedade. Aprofundar essa conscientização e mobilização será um passo fundamental para a transformação da educação brasileira”.

É nisso que os novos reformadores estão pensando quando falam em mobilizar a sociedade com movimentos do tipo Todos pela Educação – o qual representa hoje a articulação do alto empresariado no Brasil, tentando interferir com a educação pública na ótica do interesse das grandes corporações. Ele é uma espécie de Business Roundtable (BRT) americano (Johnson; Johnson; Farenga and Ness, 2008), que como mostramos em postagens anteriores, fez exatamente o papel do Todos pela Educação brasileiro nos EUA, mobilizando a sociedade, os governadores nos Estados, etc. para que a visão empresarial  e dos negócios penetrassem no campo da educação americana.

Está se configurando no Brasil, paulatinamente, uma rede de ONGs, empresas educacionais, Fundações privadas e outras que ganham rapidamente poder de interferência na educação pública. Embora o Brasil não tenha a configuração americana que faz com que as grandes corporações doem ao setor público educacional milhões e milhões de dólares, este modelo está se desenvolvendo. Hoje as Fundações privadas americanas ditam a agenda do Ministério da Educação nos EUA.

É importante notar também que o documento fala em mobilização e não em envolvimento em decisões. O que deve ser feito, lembremo-nos, já está claro e sabido, segundo os novos reformadores, e as “pesquisas comprovam sua eficiência”. Trata-se de mobilizar para produzir a conscientização da gravidade da educação (a crise de Freedman) e a adesão às soluções que os especialistas já definiram (e que atendem às corporações empresariais) divididas em seis macrotemas.

Voltaremos com a análise do item 2.1. Pela sua importância, merece uma análise separada.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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