Postado originalmente na Uol em dezembro/2010
Seguindo a linha de Freedman – valorizar a crise e torna-la perceptível para alavancar mudanças -, o Manifesto, em seu ponto 2.1 (Plano Multipartidário e plurianual para a melhoria da qualidade da educação básica no Brasil) procura enfatizar a natureza desta “crise” como algo suprapartidário, pois este posicionamento faz com que se perceba a situação da educação básica como algo que ameaça a nação (“Como nação, não podemos esperar”, diziam em itens anteriores). É como se a nação estivesse sendo ameaçada e portanto, todos devemos nos juntar para defende-la – afinal os liberais/conservadores já sabem como salvá-la (“não é uma questão de “o que fazer”, dizem).
Mas note que, tendo produzido este efeito, o documento retoma seu caminho autoritário “O detalhamento do plano caberá a um grupo de especialistas em educação que efetivamente tenham tido uma vivência prática e não dogmática das políticas educacionais brasileiras e que sejam conhecedores de políticas de sucesso adotadas em outros países (grifos meus)” Pronto: está dado o critério de seleção – participaram da elaboração do plano aqueles que acreditam em soluções de mercado, via introdução da lógica dos negócios no âmbito da Educação. A maioria dos países citados pelo documento em itens anteriores seguiu este caminho. Note-se que, surpreendentemente, não está sendo citada a Finlândia, pois ela contraria algumas das teses de mercado (Johnson; Johnson; Farenga and Ness, 2008). Em nenhum momento o Manifesto remete ou fala dos resultados produzidos por estas políticas educacionais nestes “outros países”. Simplesmente parte da ideia de que foram “políticas de sucesso” – uma petição de princípio que não precisa ser demonstrada. Tais politicas são, entretanto, de duvidoso sucesso.
Mas a estratégia liberal vai mais longe. Ela visa preparar, na realidade, um projeto de lei que começa com o plano proposto por esta comissão de especialistas, é divulgado para a sociedade e deve ter “sua consequentemente tramitação no Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras Municipais.” Caso tivesse o PSDB ganho as eleições, ela seria uma lei federal. Mas agora, sem a máquina federal, a estratégia é fragmentada ao nível estadual e municipal e visa disputar, via Legislativo, o controle da educação em todas as esferas.
Os liberais/conservadores brasileiros vão seguir a estratégia americana do No Child Left Behind e tentar aprovar uma Lei federal que introduza suas ideias, sem perder de vista a disputa nos Estados e Municípios. Daí porque tenho alertado para a inadequação do envio pelo MEC ao Congresso de uma Lei de Responsabilização da Educação, pois ela será palco de disputa com as forças liberais/conservadoras que, se conseguirem apoio de outras forças políticas, podem passar um elenco de medidas que conduzam à privatização do sistema educacional brasileiro. A lei de responsabilização americana, No Child Left Behind, tem mais de 1000 páginas e foi a responsável, nesta última década, pela destruição do sistema público de educação americano.
A estratégia do Manifesto continua com a proposta de um órgão de controle: “É nesse sentido que propomos a criação, por lei, de um Comitê de Acompanhamento da Reforma Educacional, ligado diretamente à Presidência da República, para acompanhar as iniciativas e os resultados obtidos pelo Plano, propor correções de rumo, dar publicidade aos erros e acertos das políticas educacionais adotadas pelos governos federal, estaduais e municipais...” A lei, portanto, vai funcionar como uma poderosa forma de indução das ideias liberais em Estados e Municípios.
A ideia de responsabilização tem uma raiz autoritária, bem ao gosto dos mecanismos de administração da iniciativa privada e permite punir/premiar. A responsabilização de governantes conduz à responsabilização dos Secretários de Educação. Estes, por sua vez, responsabilizam os Diretores das escolas e, finalmente, os Diretores responsabilizam os professores – com mais controle e pagamento por mérito baseado no desempenho de alunos medido em testes – proposta que o Manifesto incluirá em suas próximas páginas.
A indústria da avaliação, as ONGs, a indústria da assessoria e da tutoria floresce apoiando Estados e Municípios na implementação da responsabilização com apoio financeiro das fundações privadas. Parte da academia é contemplada com contratos rentáveis junto a estas organizações “independentes”. Aos poucos, a agenda educacional passa a ser definida a partir deste eixo privado (conferir em Ravitch, D. 2010).
Tendo perdido as eleições presidenciais, os liberais/conservadores vão apostar todas as fichas nos legislativos – Congresso, Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores.
Para um exame do conceito de responsabilização, sugiro:
- Afonso, Almerindo J. Nem tudo o que conta em educação é mensurável ou comparável. Crítica à accountability baseada em testes estandardizados e rankings escolares. Revista Lusófona de Educação, 2009, 13, 13-29.