Repercutindo ideias do INEP

Os últimos presidentes do INEP focaram sua atenção no próprio órgão e nas ações que lhe diziam respeito. Foram discretos. Com isso evitaram exposição excessiva em assuntos polêmicos. Este parece não ser o caso do atual presidente: já de saída porta-se como um intelectual orgânico das reformas educacionais propostas pelo Todos pela Educação e demais ONGs subsidiárias que apoiam tais ideias.

Sua entrevista abordando assunto de outra Diretoria do MEC, a questão dos currículos básicos da educação fundamental, foi prontamente repercutida pela mídia que normalmente divulga as ideias do movimento Todos pela Educação e pelos intelectuais que detêm espaço na Folha de São Paulo e no Jornal o Estado de São Paulo.

O último a repercutir sua entrevista é o economista do BNDES, Marcelo Miterhof,  que escreveu ontem (27-3-14) na Folha de São Paulo o artigo “Equidade é excelência”.

Em um artigo amadorístico, repleto de impressões pessoais, o articulista procura recomendar política pública. Imaginem se a política econômica fosse feita dessa forma pelos economistas.

Para ele, o presidente do INEP “tem argumentos poderosos” a favor de um currículo da educação básica mais definido ou detalhado. A equidade. Nesta linha ele cria um conceito curricular “inovador”, ou seja, o currículo deve permitir “acesso a um robusto conhecimento mínimo”. Hilário.

Mais à frente no texto, o articulista procurará ancorar suas proposições na experiência da Finlândia, talvez sem saber que neste país a exigência curricular não é de um robusto mínimo, mas sim de um robusto máximo. Para os formuladores da política educacional finlandesa, o país pede o máximo em matéria curricular, diferentemente do que pensa nosso articulista que recomenda “mínimos robustos”.

Segundo ele, “décadas atrás, o pais decidiu que o seu foco era a equidade, não a excelência. Conseguiu ambas.” Sim, nobre economista, mas não foi com “robustos currículos mínimos”, nem com avaliações associadas a tais currículos e muito menos com as receitas do Todos pela Educação com currículos mínimos centralizados. Lá, pratica-se exatamente o oposto.

“O que mais chama atenção no seu modelo educacional, é a descentralização administrativa das escolas – professor tem poder para remodelar o currículo de seu grupo de alunos…”

Há outros aspectos na política educacional finlandesa que poderiam ser recomendados pelo nosso articulista ao presidente do INEP, por exemplo:

“Esqueça Enem, vestibular, Enade… Na Finlândia não há provas nacionais e cada professor está livre para avaliar seus alunos como bem entender. “Nós não acreditamos muito em testes, estamos mais interessados em aprender”, explica a diretora. Com professores menos empenhados em provas, eles passam seu tempo individualizando métodos de ensino ou criando novos.”

Outro ponto que irrita nosso articulista é que ele começou a cursar a Licenciatura em Filosofia na UFRJ e os professores da licenciatura criticam a hegemonia da matemática no currículo da educação básica brasileira. As evidências segundo ele se resumiram em argumentar que existem mais aulas de matemática do que de história, filosofia ou música. Para ele, os professores pensam assim porque ignoram que a matemática é uma área onde os nossos alunos têm mais dificuldades no PISA.

Ora, seria muito pouco provável que professores de filosofia, com as minúsculas aulas que têm no currículo, defendessem o aumento de aulas de matemática. Mas independente disso, a Finlândia, fonte de inspiração do autor, tem a seguinte posição sobre esta questão:

“Enquanto por aqui a preocupação maior é trazer mais meninas para as áreas das Exatas, lá [na Finlândia] é exatamente o contrário. As escolas finlandesas já têm aulas de artes e música no currículo básico, e a carga horária delas deve aumentar ainda mais, tentando atrair também a atenção dos meninos mais matemáticos das salas. “A cada dez anos, muda tudo em Física. Muda tudo em Química. Por isso o conteúdo não é tão importante, mas ter jovens criativos e comunicativos é essencial”, opina Jaana.”

Uma das últimas reformas curriculares da China também reduziu o número de horas de aulas de matemática:

“Desde os anos 1990, a China lançou uma série de reformas educacionais destinadas a reduzir o horário escolar e diminuir a ênfase em matemática. Segundo um comunicado recente do Ministério da Educação: “Desde a implementação do “Novo Currículo”, o montante total do tempo de aula durante o período de ensino obrigatório (graus 1-9) foi reduzida em 380 horas/aula. Durante o ensino fundamental (séries 1-6), o tempo da aula de matemática foi reduzido em 140 horas/aula, enquanto adicionou-se  mais 156 horas aula para a educação física. No ensino médio, 347 horas de aula foram retiradas de cursos obrigatórios e 410 horas/aula em disciplinas optativas foram acrescentadas.”

Mas nosso economista sabido dos assuntos educacionais e inspirado pelo presidente do INEP, vaticina que o pais tem carência na formação de pessoas nas áreas quantitativas e científicas.

Cada vez que a Folha publica um artigo primário e desinformado como este, baseado em senso comum e experiências pessoais de autores querendo balizar políticas públicas, só desqualifica o debate e o próprio jornal.

Por fim, o artigo está no caderno certo: Mercado. É lá que o Jornal vê o lugar da Educação.

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About Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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3 Responses to Repercutindo ideias do INEP

  1. Avatar de Jaqueline Moll Jaqueline Moll disse:

    Excelente artigo Luiz Carlos. Nos três últimos anos, na condição de diretora de Currículos e Educação Integral no MEC, insisti que nossa base comum deve caminhar para a garantia de condições de igualdade (infraestrutura, carreira e salários dos profissionais da educação, ampliação de jornada…) em termos der acesso e permanência na escola, conforme determina nossa Constituição Nacional. O debate dos mínimos em termos de conteúdos, além do retrocesso histórico que nos lembra os desdobramentos da 5692 de 1971, mais uma vez desloca autorias compreendendo o professor como mero executor e aplicador de apostilas, livros didáticos, testes ou seja la o que for. Na direção contraria vão, como apontas, sistemas educacionais que tem avançado qualitativamente, mundo afora. Se nosso problema fosse não saber o que ensinar aos estudantes, argumento básico dos que defendem novas e amarradas listagens e objetivos serie a serie, ano a ano, todas escolas teriam problemas, não prioritariamente as que atendem os filhos das classes populares!
    Abraço,
    Jaqueline Moll

  2. Correto. O problema apareceria em todas. Bem lembrado.

  3. Avatar de MARIA ESTELA SIGRIST BETINI MARIA ESTELA SIGRIST BETINI disse:

    Não tenho dúvida de que um currículo escolar com a definição de que ser social se quer formar, com objetivos definidos e o que os alunos irão aprender, principalmente na Educação Básica, em termos de habilidades e conhecimentos traz orientação aos professores da escola em seu trabalho. Entretanto, definir o currículo é tarefa dos professores de cada escola, de cada rede. Os professores sabem sim, o que devem ensinar, nem sempre todos, como em qualquer profissão, Assim não deve e não pode ser tarefa individual, mas coletiva. Cada um sabe melhor o trabalho numa ou em outra habilidade, em um ou outro conhecimento. Quando trabalham coletivamente todos ganham, todos aprendem ao compartilhar suas experiências. Montar um currículo não pode e não deve ser tarefa de uma comissão, dos ilustrados, mas de todos em conjunto para que possam aprender e ensinar uns com os outros, como é a característica de um trabalho coletivo.
    Em Paulínia tivemos esta experiência, todos os professores foram chamados a participar; primeiramente definiu-se o que se pretendia no processo formativo do ser social. E a partir desta premissa inicial os professores coletivamente foram apresentando suas propostas de trabalho e votando o que consideravam importante ser ensinado. Quando havia dúvidas voltava-se aos objetivos iniciais, parâmetro para dirimi-las. Votou-se primeiramente nos coletivos menores o que seria levado em assembleia e ao final levou-se a discussão para uma grande assembleia de professores de cada nível de ensino. Todos os itens apresentados foram sendo questionados e o coletivo foi apresentando uns aos outros seus argumentos. Primeiro foram os professores do ensino fundamental dos anos iniciais, depois da educação infantil (pré-escola), depois ensino fundamental anos finais e educação infantil (creche). A presença dos professores tanto nas reuniões menores quanto nas assembleias foi maciça e com intensa participação. O resultado no trabalho não foi apenas detectado nos testes, mas dentro da escola e com os pais.
    Pode-se dizer que há um currículo totalmente revolucionário? Não, mas os professores dele se apropriaram, por verem o trabalho coletivo sistematizado. Foi um trabalho de 2006 a 2008, com o ensino fundamental dos anos iniciais, revisto a pedido dos professores em 2009 e 2010, por encontrarem na prática problemas com a seriação, superando-a mantiveram os referenciais dos objetivos sem seriação. Os outros currículos tiveram um tempo um pouco menor de trabalho. Foi publicado e entregue aos pais em 2012 o currículo do ensino fundamental dos anos iniciais e educação infantil.
    Esta experiência, pequena, demonstra que esta tarefa não pertence ao MEC, não pertence aos empresários, não pertence às assessorias e nem mesmo dos gestores de uma rede, mas é tarefa de quem está em sala de aula. Professor intelectual de seu próprio trabalho. Pertence sim ao MEC dizer claramente qual ser social e para que sociedade está montando o SNE. Não vi nenhum presidente do MEC assumir esta tarefa e publicar disponibilizando à sociedade civil para que avalie o que pretende em um plebiscito. Se a educação é importante são os brasileiros que devem aprova-la ou não.

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