SP: os jogos de Nalini

A educação é sempre um campo aberto a outros profissionais. Ganha-se muito com isso, pois enriquece visões e contribui para uma rica experiência interdisciplinar. A educação é uma área que se vale da contribuição de variadas disciplinas que ajudam a configurar seu entendimento sobre o campo educacional. Isso vale para a área das tecnologias da informação e comunicação que têm ajudado a ampliar horizontes formativos nas práticas educacionais.

Outra coisa, no entanto, é a elaboração e gestão de políticas educacionais. Quando se coloca como Secretário da Educação um economista, por exemplo, como é frequente, isso nem sempre significa avanço. Não é o economista que deve vir administrar no lugar do educador, mas o economista deve participar da formação dos educadores para que eles melhorem sua capacidade de gerir as escolas. Não se trata de substituição e sim de formação.

Depois dos físicos, os economistas (não sei que posição ocupariam os juristas, pois são menos frequentes na área da educação) se sentem representantes de deus na terra. A tentação de ter uma resposta para tudo se impõe, sem considerar o desenvolvimento histórico do problema e as tendências da pesquisa, gerando soluções que sempre se remetem à ciência de origem destes gestores. Unilateralizam as soluções a partir de seu campo de referência formativo ou de suas visões específicas.

O caso do jurista Nalini, ex-presidente do Tribunal de Justiça de SP e atual Secretário de Educação de São Paulo, é específico. Em seu blog trata de variados assuntos, inclusive educação. No dia de ontem, 26-02-16, ele escreveu um artigo que foi publicado no jornal local de Campinas de nome “Correio Popular” e em outros veículos . Nele o Secretário aborda a importância dos “games em sala de aula” (veja aqui).

Depois de elencar as virtudes do avanço tecnológico da era digital, Nalini indaga: “E a educação? Ela ganha com esses avanços tecnológicos?” Para ele:

“Outra questão que precisa ocupar a mente dos pedagogos é a do uso dos jogos, os “games” que começaram tão singelos e hoje são sofisticados e viciam crianças de todas as idades… Há muito adulto dependente dos últimos lançamentos. Presenciei essa verdadeira onda de escravos dos games e vi o quão intenso é o vínculo para quem se entrega à prática.”

Para o Secretário de Educação do Estado de São Paulo, devemos ficar tranquilos porque:

“Os americanos estão sempre à frente e já concluíram que os games não prejudicam a visão. Ao contrário, há um claro aumento da acuidade visual entre os jovens jogadores.”

Além deste, há outros benefícios que ele passa a elencar, associados a jogos específicos:

“Alguns dos benefícios constatados pelos cientistas mostram que o jogo “call of duty”, com cenas de batalhas da Segunda Guerra Mundial, tinham facilidade maior em responder questões sobre história. O “unreal tournament”, jogo violento (grifos meus LCF), evidenciou melhor acuidade visual, assim como a percepção de contraste. O “civilization”, jogo de estratégia, auxiliou o alunado a ter um desempenho satisfatório em temas como economia, geopolítica e desenvolvimento das nações. Por sua vez, o “Betty’s Brain” ensinou os estudantes a compreender como raciocinar mediante utilização de princípios do método científico. Há um game conhecido como “Critter Corral” o qual, com a introdução de problemas aritméticos, estimulou a aptidão matemática em crianças entre 3 e 4 anos. Até para afastar riscos de ambliopia, problema ocular que afeta a sensação de profundidade, utilizou-se do game “Medal of honor” – pacific assault”.

Para o autor, os jogos são úteis para a educação desde que não substituam a “transmissão do conteúdo”. Sua função deveria ser “atrair” a criança para a sala de aula e fazê-la se “interessar pelas disciplinas obrigatórias”. Se conseguir isso, diz, “terá feito muito”. E conclui:

“Enfim, é um instrumento a ser utilizado com cautela e prudência, de acordo com a avaliação do projeto pedagógico e da disposição do mestre, que é, na verdade, quem sabe o que é melhor para o seu alunado.”

Não ocorre ao Secretário indagar por que os estudantes não se interessam pela sala de aula. Prefere uma espécie de “chamariz” para a juventude se interessar pela escola. Não conseguiu tirar ensinamento das ocupações das escolas ocorridas recentemente na sua rede de ensino. Os estudantes querem uma escola viva, com desafios reais, com vivência dos problemas sociais e não jogos virtuais que os prendam às mesmas cadeiras usadas para assistir aulas aborrecidas.

Note-se, ainda, que o Secretário recomenda uma série de jogos, inclusive reconhecendo que são “violentos”. Despreocupa-se inteiramente com a consequência formativa da violência veiculada através destes jogos e dos conceitos que eles passam para as crianças, desde que melhorem a acuidade visual das crianças e prenda-as na escola, à mesma e velha escola que se recusa a abrir-se para a vida. Recomenda até mesmo games para o ensino da matemática para crianças de 3 a 4 anos.

Entre os possíveis efeitos dos meios eletrônicos sobre as crianças podemos incluir: desenvolvimento de excesso de peso; riscos para a saúde; problemas de atenção e hiperatividade; agressividade comportamental antissocial; depressão e medo; intimidação a colegas; indução de atitude machista; dessensibilização dos sentimentos; indução de mentalidade de que o mundo é violento e a violência não gera castigo; prejuízo para a leitura; diminuição do rendimento escolar e prejuízo para a cognição; confusão de fantasia com realidade; isolamento e outros problemas sociais; aceleração do desenvolvimento; prejuízo para a criatividade; autismo; indução ao consumismo, entre outros.

Por mais controverso que isso seja, não está em jogo apenas a perda ou não de acuidade visual. Alguns dos problemas aparecem apenas com o excesso do uso de jogos, mas outros não, em especial no nível conceitual e de valores.

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About Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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2 Responses to SP: os jogos de Nalini

  1. Avatar de Lucas Marfim Lucas Marfim disse:

    Tendo a concordar com o secretário a respeito do uso de games em sala de aula, mas sou consciente de que trata-se ainda do “velho-novo” discurso sobre a relação educação-tecnologia: a insistência – como bem posto por você – em manter o sistema como é, descartando qualquer mudança de paradigma, de anseios, de uma escola preocupada com a formação integral do ser humano. A própria dinâmica das novas tecnologias no seio cultural “pedem” uma outra escola.

    Para além, fica a sugestão da obra Game Over – Jogos eletrônicos e violência, da profª Alves Lynn, estudiosa do assunto e disseminadora do uso de games na escola.

  2. Avatar de gralmeidablog gralmeidablog disse:

    Eu acho que tanto a anáise do Nataline como a do autor do texto são superficiais e polarizadas.Os jogos são recursos complexos e muito mais profundo que simples chamariz. tem conteúdos complexos que envolvem desde habilidades e competências até vivências simbólicas que podem impactar de várias maneiras (boas e nem tão boas o imaginário). Mas justamente pelo seu impacto podem ser recursos que quando bem pensados podem sensibilizar e ser ampliados com uma boa estratégia reflexiva. Então é absurdo trtar os games tanto como panaceias milagrosas como instrumentos alienantes.

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