Pressupostos da política educacional bolsonariana–III

Continuação de post anterior.

Bresser-Pereira considera que o neoliberalismo teria entrado em colapso com a crise financeira do ano 2008, reiterada pela crise política do Brexit em 2016 na Inglaterra, complementada pela eleição de Donald Trump nos Estados Unidos (Bresser-Pereira, 2017, p. 701). No entanto, seria melhor interpretar que, no melhor dos casos, estamos falando do final da atual fase do neoliberalismo. Nada impede que tenhamos outras fases ou que isso varie de país para país.

Teremos que aguardar para ver como se dará o embate entre uma visão mais nacionalista trazida pelos militares da reserva que estão no governo Bolsonaro e a visão neoliberal de Paulo Guedes, cuja negociação viabilizou a vitória do bolsonarismo.

Para além do lado econômico, temos o lado ideológico que une estes grupos. Não se pode perder de vista que ao final do primeiro período do liberalismo clássico (1929) o evento mais importante ocorrido em plena queda deste (deixando de lado a própria primeira guerra mundial iniciada em 1914, ela mesma uma das causas da sua queda) foi a revolução socialista de 1917 na Rússia. Há, portanto, uma motivação ideológica para o retorno do neoliberalismo, alimentada permanentemente pelo medo da revolução socialista russa e sua proposta de planificação da economia (medo estampado em cada página das publicações políticas de Mises (2010) (2009) e Hayek (2010). Mesmo com a queda do leste europeu, este medo continua e continuará a mobilizar o neoliberalismo, como um movimento de alcance mundial destinado a eternizar o liberalismo econômico.

Face às contradições sociais que se avolumam e à possibilidade de que os governos sejam pressionados pelas massas insatisfeitas a assumir teses contrárias ao liberalismo econômico, a democracia liberal representativa já não é vista como um contrato social seguro, como reconhecem Giroux (2017) e Castells (2018), que dê garantias à existência do livre mercado, assegurando a continuidade dos processos de acumulação individual de riqueza que, para os refundadores do liberalismo, são a base da ordem social liberal. Para Chomsky (Polychroniou, 2018):

“O projeto Reagan-Thatcher para fortalecer o poder irrestrito dos negócios, levado à frente e expandido por seus sucessores, foi o reflexo político de uma campanha coordenada pelas classes empresariais dedicada a reverter a “crise da democracia” dos anos 60 que preocupava profundamente as elites liberais internacionais, que devotaram a primeira das principais publicações da Comissão Trilateral a esta séria enfermidade. Sua principal preocupação era o crescente engajamento das classes populares na arena política forçando suas demandas e o estado, o que impunha muita pressão, ameaçando o domínio do mundo dos negócios” (p. 1).

A “nova direita” e seus aliados passam a implementar um conjunto de reformas (que desestruturam a luta dos trabalhadores e colocam novos marcos de precarização da força de trabalho) que recomponha as garantias do processo de acumulação.

Para o liberalismo econômico, as garantias deveriam ser incluídas nas constituições nacionais de forma a se tornarem praticamente irrevogáveis – mesmo que por caminhos que pudessem significar uma ruptura com a democracia liberal – afinal, o que está em jogo é a própria “liberdade pessoal e social” que precisa ser defendida a qualquer custo para deter a ideia de uma economia planificada (contrária ao livre mercado), de onde – dizem – advêm o “esquerdismo” e o “comunismo”. A ação do liberalismo econômico é, portanto, proativa, presciente de um risco futuro. Ele tem consciência do custo social e político da sua proposta, mas não pode aceitar a solução social-democrática pois esta aumenta os custos do Estado e atinge seus planos de acumulação. Isso explica sua narrativa belicosa permanente contra a “socialdemocracia”, o “esquerdismo” e o “comunismo” – mesmo que não estejam no horizonte.

A questão, portanto, não tem apenas um lado econômico – como querem fazer parecer os empresários -, mas é ideológica também, no sentido de dar garantias à defesa da apropriação privada e sua acumulação contínua que, nas formas democráticas liberais vivenciadas, não teria demonstrado estar suficientemente protegida ou seria ineficaz para barrar reivindicações de grupos organizados, que promovem a cooptação de políticos contra o livre mercado. E o livre mercado é fundamental para que os indivíduos, lançados nele, tenham “liberdade” para construir sua trajetória a partir do mérito e esforço pessoal.

Esta é a proposta de sociedade (e de educação). Para o liberalismo econômico, as pessoas não são um problema do Estado, mas sim, estão lançadas à sorte no livre mercado, dependentes de si mesmas. Nesta perspectiva, toda solidariedade deseduca. Uma concepção como essa necessita de um Estado autoritário para ser implantada, além de uma propaganda que desqualifique permanentemente quem pense diferente – os “esquerdistas” – criminalizando-os, de preferência.

Não é sem razão que o governo Bolsonaro terá dois super ministérios: o da economia e o da justiça, que incorporará a segurança.

Tudo isso aumenta a disputa pelo aparato escolar, formador da juventude, gerando mais controle sobre ele – privatização e “escola sem partido”.

Que elementos podemos colher para nossa análise, neste rápido cenário?

Continua no próximo post.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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Uma resposta para Pressupostos da política educacional bolsonariana–III

  1. Cássio Silva disse:

    Muito boa sua análise sobre a política Bolsonarista, Luiz. Iluminou meu entendimento dessa onda direitista que vivemos.
    obrigado

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