Um ministro fraco, para um ministério fraco

Nada de surpreendente e nem de estranho na indicação do ministro da Educação de Bolsonaro. Do ponto de vista político, se não fizesse isso, Bolsonaro seria acusado de estelionato eleitoral antes de assumir. Era o que prometia e ninguém pode dizer que “não sabia que seria assim”.

Do ponto de vista técnico, não se pretende um ministério da Educação forte, pois igualmente não se pretende um Estado forte. A educação é vista como uma área da economia a ser inserida no livre mercado, na esteira do Estado mínimo.

Resta para o ministério da Educação, a função ideológica de imposição de uma única ideologia que dê sustentação ao liberalismo econômico (complementando a função do ministério da Justiça) e o controle de processos de privatização (complementando a função do ministério da Economia), os únicos núcleos fortes do novo governo (sem contar o pessoal da área militar sempre de prontidão), pois eles têm que comandar a desideologização da juventude e a desestatização da economia, diminuindo o Estado.

O que a centro-direita esperava que a extrema direita de Bolsonaro fizesse, quando apoiou o capitão? Para ser bem claro, então, os únicos centros de poder fortes são a Economia e a Justiça. O ministério da Educação deve ser forte apenas na ideologia, habilidade na qual o novo ministro é versado.

A centro-direita envergonhada achou que poderia conter o ultraliberalismo do presidente eleito. Como afirmei em post anterior, correndo do petismo, ela agora tenta controlar a dose de extremismo do novo governo. No caso da educação, seu sucesso foi zero, até agora.

O novo ministro da educação é um militante da extrema direita indicado por Olavo de Carvalho. Como o guru, é anti-petista de carteirinha, a favor do “escola sem partido”, contra um tal marxismo cultural gramsciano, e outras paranoias. A bancada da bíblia que vetou Mozart não reclamou, ainda que tivesse preferência por Schelb, o promotor do DF. Como revela agora o presidente, passadas as eleições, a questão ideológica é mais importante do que a corrupção.

Mas nem tudo pode estar perdido para a centro-direita. O que mais incomoda este setor é a falta de foco e uma possível não continuidade do que vinha sendo feito até agora pela gestão Temer no ministério da Educação por Maria Helena Castro. A falta de foco põe em risco o trabalho prévio.

Mas arrisco dizer que não deverá haver muita quebra de continuidade. O novo ministro é um vazio no campo técnico. Devemos aguardar pela indicação do segundo escalão. Causa espanto, é claro, que o presidente se declare ignorante das ações a serem feitas pelos seus ministérios, alegando que são os ministros que devem entender dos vários assuntos do Estado, e que em seguida, nomeie um ministro que também não sabe o que deve ser feito. Mas, é da democracia. Quem sabe o segundo escalão do ministério não terá solução para o problema.

Com os dados que temos neste momento, podemos imaginar – se é que isso é possível em se tratando do governo Bolsonaro – o seguinte:

  1. O governo Bolsonaro está estruturado em torno de dois núcleos: economia (Paulo Guedes) e Justiça (Moro). Um faz, o outro reprime a reação que houver. A forma de operação preferida é via “lawfare” usado na lava-jato, agora federalizado: o uso de recursos jurídicos ilícitos contra quem se opuser. Neste mundo jurídico a lei e a constituição são apenas indicativas, o que conta é a “interpretação” da lei feita por um juiz.
  2. A privatização da educação não será arquitetada no MEC, mas sim na recém criada Secretaria das Privatizações – que será comandada pelo dono da empresa Localiza – ou alguma estrutura deste tipo. A privatização será comandada desde o ministério da economia. Na visão do liberalismo econômico, a educação é mais uma sub-área da economia a ser inserida no livre mercado, como muito bem resume Diane Ravitch examinando a reforma empresarial nos Estados Unidos.
  3. A função dos dois núcleos (Economia e Justiça) é dinamitar o Estado e não fortalecê-lo. Não está nos planos do futuro governo uma educação pública forte. Por que, então, haveríamos de ter um ministro forte, conhecedor da área. Quanto mais isso for verdade, maior a resistência à privatização da área. Quanto mais banal e ignorante for o ministro, mais fácil será destruir o MEC.
  4. Desenvolvidas as bases da privatização da educação, ela será entregue à iniciativa privada (vouchers e escolas charters). A principal preocupação do ministério da Economia, em relação à educação, será definir o valor dos vouchers e estabelecer os mecanismos de estímulo e criação de mercado educacional (charters).
  5. Ao MEC caberá, provavelmente, implementar e fiscalizar as regras da privatização através de uma de suas secretarias.
  6. A depender da indicação no segundo escalão (Secretário executivo e Secretarias), uma destas estruturas poderá dar continuidade à reforma empresarial da educação nos moldes como vinha sendo desenvolvida pelo governo Temer, tranquilizando a centro-direita. Quando muito, ocorre uma revisão da BNCC para “limpar” conteúdos e/ou incluir temas do novo governo. Só haveria maior problema se a BNCC fosse encaminhada para aprovação no Congresso, como queria o projeto de Rogério Marinho, que aliás não foi reeleito.
  7. O ministro da educação estará preocupado com o anti-marxismo e a implementação na prática do “escola sem partido”.

O que pode ocorrer com a centro-direita é que uma parte dela, mais ao centro, seja atingida pela própria definição do que é “ser esquerdista” – como no caso Mozart. A definição de esquerda para a extrema direita é muito mais ampla do que se pensa e inclui todo aquele que não seja adepto do liberalismo econômico, ou seja, social-democracia inclusa, além daqueles que estejam contra o “escola sem partido”, a “ideologia de gênero”, a discussão da “sexualidade” e outras coisas mais, na dependência do censor de turno. O novo ministro, antes, já defendeu “conselhos de ética” em cada escola. Em 2004 dizia que:

“todas as escolas deveriam ter Conselhos de Ética que zelassem pela reta educação moral dos alunos”. “Não se trata de comitês de moralismo, nem de juntas de censura”, disse. “Trata-se de institucionalizar a reflexão sobre (…) a forma que cada escola está correspondendo a essa exigência”.

Leia mais aqui.

O lado contraditório é que este ultraliberalismo conservador poderá permitir uma frente ampla na educação com apoio até de liberais e social-democratas, quem sabe? “Bora” reagir… e lutar pela educação pública, a única democrática e inclusiva.

O cenário é este, mas estas considerações são muito preliminares, pois, sabe-se como começa um golpe, mas não se sabe como ele termina… (e ainda não sabemos). Teremos, como sempre, que aguardar pelo twitter do capitão (ou do novo ministro).

A conferir.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
Esse post foi publicado em Assuntos gerais, Escolas Charters, Privatização, Responsabilização/accountability, Vouchers e marcado , . Guardar link permanente.

Uma resposta para Um ministro fraco, para um ministério fraco

  1. bemte disse:

    … e dá-lhe estômago, cada vez o soco fica mais forte…

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