Bolsonaro resolveu enfrentar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, um articulador da pauta liberal que inclui a reforma da previdência. Bolsonaro voltou dos Estados Unidos, depois do encontro com Olavo de Carvalho e Steve Bannon, mais radical e certo de que tem que ser fiel às promessas feitas durante a campanha eleitoral para não perder sua base de apoio na sociedade. Isso inclui a instituição de uma “nova política”.
Vale a pena lembrar o que liberais como Samuel Pessoa entendem que deva ser a política, chamada por Bolsonaro de “velha política”. Ela é a própria democracia liberal representativa. A ela Bolsonaro contrapõe uma “nova política” que é a chamada “democracia direta” feita a partir das redes sociais, especialmente do twitter. Vinicius Freire a chama de “democracia direta tuitada”.
Esta comunicação direta com a base social que o apoia visa pular por cima da representação do Congresso e transformar tal base, pelo ativismo nas redes, em mecanismo de pressão sobre o Congresso, de forma a aprovar os temas que interessam ao governo Bolsonaro sem negociação política relevante. Mais ainda, nos temas mais desgastantes, como a reforma da previdência, visa também deixar o custo político com o congresso e não com o governo. Maia, que tem pretensões eleitorais, percebeu a jogada e pelo menos por enquanto, resolveu devolver a Bolsonaro a articulação da reforma da previdência, para que se esclareça melhor a situação. O tiroteio continua.
Em visita anterior de Bannon ao Brasil, este já havia dito a Bolsonaro que precisaria ser fiel às promessas e não perder a conexão via redes sociais: estratégia central do populismo de direita.
A consequência desta estratégia, será intensificar a junção de liberais e neoliberais, militares incluídos, aprofundando a divisão entre estes e os olavettes no governo. Os evangélicos não vão entrar na disputa e tenderão a se acomodar em meio ao tiroteio.
É a democracia liberal representativa que está sob ataque, numa ação que sempre esteve camuflada de luta contra o petismo e o socialismo. A democracia liberal não é, claro, uma forma perfeita de se praticar a democracia. Devemos implementar formas mais avançadas. Mas certamente, não será a “democracia direta de twitter” a sua substituta. Além disso, se nem a democracia liberal pode ser exercitada, muito menos uma forma mais avançada poderá ter lugar.
As razões saltam à vista nas administrações de Trump e de Bolsonaro. Esta forma de democracia é facilmente prisioneira de movimentos fundamentalistas, especialmente de ultra-direita, que através da constituição de “bolsas virtuais de fidelidade” criam mecanismos totalitários de controle, baseados na replicação de tais “bolsas virtuais” no seio da sociedade sob controle de fundamentalistas locais, que constituem células aglutinadoras de seguidores, em um movimento capilar de propagação e defesa das proposituras do “grande chefe”.
Esta máquina não admite divergências, daí seu caráter autoritário e antidemocrático. Todo divergente é considerado inimigo. Portanto, acelera o processo de desintegração social e acirra processos de agressão e intimidação aos “inimigos”. Só as informações oriundas das lideranças supremas são críveis. Não se trata, portanto de uma superação da democracia representativa pela construção da participação direta da base em direção ao topo. Ao contrário, trata-se de uma máquina de difusão e produção de adesão às formulações oriundas do “grande chefe”, sem direito a contestação. Não há participação, mas só adesismo cego e manipulação virtual propícia à distorção dos fatos ao sabor da ideologia.
O modelo funcionou “experimentalmente” durante os cursos de filosofia de Olavo de Carvalho antes de receber sua forma acabada na “democracia de twitter” e encantou Steve Bannon que viu nele uma ferramenta poderosa para o seu “movimento” ou sua “Internacional Nacionalista” – o tal anti-globalismo, o qual inclui em parte uma recusa à visão neoliberal de um mundo globalizado.
O método da democracia direta esteve na base dos problemas vividos por Velez Rodrigues no Ministério da Educação: a história do envio da comunicação às escolas para que os estudantes cantassem o Hino e enviassem videos ao MEC, reflete esta metodologia de estabelecer uma comunicação direta entre o Ministério e as escolas, saltando as instâncias representativas como por exemplo, o Conselho Nacional de Secretários de Educação – CONSED. Outra evidência disso são os videos gravados pelo Ministro: “bate-papo com o professor Velez“.
Bolsonaro parece não querer abrir mão deste caminho, a “nova política”. Prometeu isso na campanha. Os liberais do Congresso e os neoliberais do governo vão cerrar fileiras em defesa da pauta econômica, mas não querem ficar com os “custos” das reformas sozinhos.
Se para os neoliberais a democracia é apenas uma forma de governo que negociam em troca do “livre mercado”, para os liberais, a democracia representativa é uma âncora na construção de uma sociedade mais equilibrada que respeite as diferenças e os direitos políticos e sociais. Estes vão pressionar os militares, os quais se colocaram perante a sociedade nas eleições como uma espécie de “garantidores” de que manteriam Bolsonaro sob controle. Sabedores disso, os olavettes disparam diariamente contra o general Mourão. Parafraseando o dito popular: “quem pariu Bolsonaro, que o embale”…
O “desgoverno” Bolsonaro é uma geringonça que inclui neoliberais, olavettes da Internacional Nacionalista, evangélicos e militares. As filosofias sociais que embasam tais tendências são conservadoras e neoliberais, com um forte componente de autoritarismo social, comum a todas elas. As crises seguirão, com configurações que variarão na dependência da pauta em questão.
É de particular interesse como se resolverá a crise no MEC que envolve os olavettes, evangélicos e militares, pois ela poderá sinalizar como estas crises se resolverão e quem tem de fato a hegemonia nesta composição.