Ahh!! Estes críticos intolerantes!

O Ministro da Educação concedeu uma entrevista para a Veja. O resumo da entrevista, na visão de Veja, está na frase “Ministro afirma que, para o país virar a página do mau ensino, é preciso pacto nacional movido a metas, meritocracia e mais dinheiro, este um grande desafio”. Eis os ingredientes do sucesso do governo Lula na educação: metas, meritocracia e dinheiro.

Leia entrevista aqui.

Os que se detiveram a analisar a experiência cearense, que agora deverá ser difundida institucionalmente via MEC para todo o país, sabem da proximidade das Fundações e ONGs na educação naquele estado. O próprio Veveu do PT, ex-prefeito de conhecida cidade, Sobral, sempre apresentada como cartão de visita inclusive pelas Fundações, dirige uma ONG que faz assessoria educacional. Foi sua gestão municipal que impulsionou o modelo na cidade, tendo Izolda Cela como Secretária de Educação (a qual hoje é Secretaria Executiva do MEC e estudou com Manuel Palácios, também hoje no MEC como presidente do INEP). Já divulgamos (veja aqui) os vínculos de Veveu com a Fundação Lemann também.

A primeira constatação a ser feita da entrevista é que o Ministro desconhece o campo da educação. É somente um gestor que ouviu algumas teses gerencialistas, do tipo: bastam metas, meritocracia e dinheiro para resolver o problema da educação (que tal olhar para a experiência fracassada de meritocracia no Estado de São Paulo).

Claro, os reformadores empresariais jamais reconhecem que suas teses fracassam. Quando confrontaram G. Bush com o fracasso da “accountability” americana, ele respondeu: “faltou mais accountability”. Para o reformador empresarial, a “responsabilização” quando não funciona é porque foi mal feita. Como bem aponta Ravitch, a bonificação por desempenho, comum nas meritocracias, nunca funciona, mas é uma crença que nunca morre na educação.

Antevendo embates com os profissionais que entendem de educação, o ministro apressa-se em colocar antídotos, bem ao gosto do privatismo.

Primeiro, ante a colocação da Veja de que a Confederação Nacional de Trabalhadores da Educação se manifestou contra o secretariado do Ministro dizendo que ele é afinado com instituições privadas, responde que isso não faz “nenhum sentido”, pois todos, como ele, “defendem e trabalham pelo avanço da qualidade. “Este tipo de crítica e um equívoco”, diz.

Para o Ministro, penso, só se privatiza quando se vende um bem público. Mas, quando se introduz a lógica gerencial nas escolas via Fundações, não. E pela lógica de setores do PT, quando se concede ou terceiriza serviços públicos para a iniciativa privada, também não se está privatizando, pois não está havendo venda.

Provocado a reagir sobre um possível embate com pessoal “das fileiras mais radicais e militantes da educação” responde:

“Precisamos desarmar as pessoas nestes tempos de polarização e parar para conversar. Diferenças existem e são salutares. O inadmissível é a falta de diálogo e a intolerância com quem não pensa rigorosamente igual a você.”

Mas, participação vai muito além de receber protocolarmente uma entidade para trocar pontos de vista respeitosamente. Significa criar mecanismos que permitam uma interação criativa. Mas, se o Ministro já definiu unilateralmente a política, pouco se pode fazer nesta direção.

O escudo para esta “participação protocolar” é a frase de sua entrevista: “as diferenças são salutares” mas sem “intolerância”.

Ocorre que a crítica está vindo de entidades acadêmicas, sindicais e científicas do campo da educação com longa experiência na análise da questão educacional e não de indivíduos isolados. Seria de se esperar que tais entidades fossem ouvidas na confecção da política educacional e não as teses de fundações ou entidades privadas. Aqui não pode haver simetria.

Preve-se, portanto, que, como o Ministro já tem uma  política educacional importada do Ceará, qualquer conversa é meramente protocolar e feita em nome de veicular as diferenças. Enquanto as Fundações têm livre acesso à formulação da política, via Ceará, as entidades educacionais podem opinar desde que de forma tolerante.

A entrevista também prepara um segundo antídoto à crítica: o debate, diz, não pode estar pautado pelo “filtro ideológico”. E aqui é que seu desconhecimento da área educacional se mostra pleno. A educação é pautada por finalidades educativas que inevitavelmente apontam para formas de ver e se comportar no mundo. É impossível não ter ideologia – a não ser como farsa e ocultação. Para evitar a ideologia, o Ministro recomenta seguir o que ouve das Fundações: “consultar as pesquisas e ouvir o que diz a ciência”, como se esta fosse neutra…

Enfim, é inócuo que se tente alterar o caminho escolhido pelo MEC sob a gestão Camilo. Ceará virou um modelo a ser seguido. Em suas palavras: “Vou pregar em prol dele em todos os estados, mostrando evidências científicas do que funcionou, dando estímulos e tentando dissolver o clima de polarização, que só atrapalha.” Ou seja, a crítica é admitida apenas para aprimorar o modelo Ceará. Mais que isso é radicalismo ideológico.

A experiência americana com esta política educacional é clara em suas consequências, como afirma Daniel Koretz em seu livro: The Testing Charade: Pretending to Make Schools Better.  Recentemente ele escreveu um artigo sobre o fracasso dos estudantes americanos tanto no PISA como em exames internos nos Estados Unidos. Para ele:

“O debate de rotina está em andamento sobre o quão ruim é essa notícia, mas esses argumentos geralmente perdem uma lição essencial: o movimento de reforma escolar dos EUA claramente falhou. É hora de enfrentar esse fracasso e pensar em novas abordagens para melhorar a educação.

Houve inúmeras reformas nas últimas duas décadas, mas no centro delas estão os esforços para pressionar os educadores a aumentar as notas nos testes. A ideia é enganosamente simples. Os testes medem coisas importantes que queremos que os alunos aprendam. Responsabilize os educadores por aumentar a pontuação e eles ensinarão mais as crianças. E, concentrando a responsabilização em grupos com baixa pontuação – na maioria das vezes, estabelecendo metas uniformes por meio de leis estaduais ou federais, como o No Child Left Behind ou Every Student Succeeds Act -, fecharemos as lacunas de desempenho. Infelizmente, esse conceito acabou sendo mais simplista do que simples, e não funcionou.”

Leia aqui.

E como diz H. L. Mencken: “Para todo problema complexo existe uma solução clara, simples e errada.”

E antes que os mais realistas do que o próprio rei queiram evitar esta crítica que faço ao Ministro argumentando que é muito cedo para criticá-lo, repito aqui as palavras de Lula ditas a sindicalistas em recente pronunciamento: “se ninguém reclama, então, conclui-se que está tudo bem”.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
Esse post foi publicado em Camilo Santana no MEC, Meritocracia, Privatização, Responsabilização/accountability e marcado , , , , , , , , , , . Guardar link permanente.

10 respostas para Ahh!! Estes críticos intolerantes!

  1. Marcio Masella disse:

    Lamentável que um governo de esquerda aponte para um caminho de associação com os reformadores da educação.

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  3. Claudio disse:

    Verdade,
    Lula declarou logo nos primeiros dias de governo que precisa e quer ser cobrado…
    Parece que não vale para a Educação…

  4. Antonio Simplicio de Almeida Neto disse:

    A chamada “esquerda” não constitui um bloco único e coeso, ainda mais no amplo arco de alianças formado para derrotar a extrema direita. Agora, iniciado novo governo, é o momento de enfrentar os reformadores empresariais, suas fundações e seus gestores. Esses sujeitos-abutres nunca arredam pé e sempre agem aproveitando as fragilidades criadas pela correlação de forças. Foi assim quando emplacaram a BNCC na crise do governo Dilma e seguem firmes no delicado jogo político atual.

  5. Continue com essa lucidez que é sua característica, Professor Luiz Carlos. Precisamos apontar a insatisfação e a angústia que essas falas do Ministro tem causado no campo da esquerda. Onde estão as entidades? Em que momento seremos ouvidos?

  6. Concordo plenamente professor, como sempre fazendo a crítica com seriedade e lucidez. A nossa luta por educação de qualidade socialmente referenciada e que atenda aos interesses da classe trabalhadora ainda é gigantesca. Precisamos nos organizar e pressionar sempre.

  7. Altair Alberto Fávero disse:

    Análise lúcida e cirúrgica. Escolhas preocupantes e perigosas que estão sendo tomadas pelo MEC e pela equipe do Ministro.

  8. Respeito muito o Prof. Freitas e fiquei muito preocupada com a repercussão que a notícia do blog teve.
    Vou colocar esta questão na próxima reunião do FEE-Fórum Estadual de Educação-SP.
    Posso estar errada, mas meu receio é com a esquerda desunida estarmos a influenciar negativamente as próximas eleições municipais e daqui a 4 anos podemos até perder o governo novamente.
    A direita já está a divulgar o vídeo do Ministro com a soma de 8+4 = 11. Viram? https://www.facebook.com/reel/893859368404347?mibextid=6AJuK9&s=chYV2B&fs=e

    1. Não é também um tiro no pé? Não foi a proposta que ganhou?
    Já sabemos que o Lula irá aumentar o FIES e Prouni.
    Temos que propor e executar algo concreto urgentemente. Por exemplo, apoiar o movimento para a criação de IFs pelo país e unir esforços de projetos de extensão para tentar ocupar todas as vagas ociosas nas universidades públicas.

    E ainda mais agora que estamos num governo de federação e não petista.

    Já esquecemos que foi Haddad, ex-ministro da educação de Lula contribuiu para a formação do Todos pela Educação e entrada das fundações no MEC (mesmo sem a intenção de criar um monstro)?
    Todos pela Educação foi criado em 2006. Na altura do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) lançado em 2007 – com um prazo de quinze anos para ser completado, mas acabou descontinuado antes desse prazo.
    O PDE foi lançado em conjunto com o Plano Metas Compromisso Todos pela Educação, instituído pelo DECRETO Nº 6.094, DE 24 DE ABRIL DE 2007. Não foi?

    2. Todas as universidades possuem convênios com as Prefeituras, estados e estão articuladas regionalmente?
    Sou defensora de redes como sabem. Mas é muito difícil concretizar … Estamos preparados para as redes de parcerias? Nem os nossos sistemas informáticos estão e nem nisso avançamos …
    Temos várias experiências pontuais que por vezes, são descontinuadas quando acabam os financiamentos dos projetos de pesquisa.

    3. As universidades estão a criar cursos de formação de professores em parceria com os centros de formação de professores das secretarias de educação e diretorias de ensino?
    Se sim, onde?
    Parece-me, por vezes, bolhas isoladas e iniciativas de formação desarticuladas … daí nosso impacto no município perde força.
    Sabiam que algumas Prefeituras querem criar universidades municipais seguindo o exemplo da USCS – universidade municipal de São Caetano do Sul – autarquia com cursos pagos?

    E que as próprias prefeituras petistas não estão reduzindo as OS da Saúde.
    Em breve as OS estarão mais presentes na Educação se não OCUPARMOS OS ESPAÇOS com propostas concretas e parcerias.

    Temos razão sobre as críticas ao sucesso da experiência cearense fora de contexto ou sobre as avaliações internas e externas.
    https://www.cnnbrasil.com.br/politica/fatos-primeiro-fala-de-ciro-sobre-educacao-no-ceara-ser-a-melhor-do-pais-precisa-de-contexto/
    Mas temos experiências em parceria com as universidades a nível municipal, estadual ou regional para propor?
    Ou só temos propostas de grupos de pesquisa isolados com experiências pontuais?

    Esperança nos resultados dos projetos em rede em parceria com poder local selecionados no edital pró-humanidades do CNPq linha 3 Políticas públicas para o desenvolvimento humano e social. Fomento a pesquisas voltadas à produção de evidências e subsídios para políticas públicas (formação de agenda, formulação, tomada de decisão, implementação e avaliação) em temas que representam grandes desafios e problemas sociais brasileiros

    Posso estar errada, mas não podemos ter razão sem nada na mão e abalando um governo recém-formado com os golpistas nos assombrando. Vamos sofrer as consequências. E sinceramente quero estar errada!!!!

  9. Vinicius Bezerra disse:

    Agora os empresários tem novamente acesso ao MEC, já que foi próprio Haddad que os colocou quando era ministro da Educação.

  10. Pingback: Na educação, a luta é por salário, carreira e condições de trabalho! - SINDCEFET-MG | Sindicato dos Docentes do CEFET-MG

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