Segue nota pública produzida pelo Curso de Pedagogia da UFSC sobre a violência nas escolas e alertando sobre os limites e os equívocos quanto às estratégias de enfrentamento que estão sendo tomadas pelos políticos locais.
AS VIOLÊNCIAS QUE NÃO QUEREMOS VER
Nota do curso de Pedagogia
Entre os fatos vividos nas últimas semanas e os muitos boatos propagados nos últimos dias em relação aos ataques às instituições educacionais parece ficar a certeza de estarmos vivendo um período delicado e preocupante. Sem dúvida, precisamos seguir atentos e nos cuidando, cientes que não estamos diante de um fato isolado. Mas seguirmos nos cuidando implica, igualmente, em podermos dialogar com a comunidade escolar sobre o que está acontecendo, buscando reduzir a propagação de possíveis movimentos de pânico e, ao mesmo tempo, compreender as soluções que realmente podem trazer segurança para as crianças, os jovens, os professores e demais profissionais da educação e as famílias.Queremos uma escola segura para todos. Mas como avançarmos para essa construção?
Nessa semana começamos a acompanhar a entrada e a presença de policiais armados nas escolas estaduais e municipais de Florianópolis. Policiais com armas na cintura, acompanhando o dia letivo. Sabemos que esse tipo de ação corrobora para reforçar a opinião pública de que: a) “realmente estamos todos em risco” e b) essa seria a melhor solução para esse “risco”. A Prefeitura de Florianópolis, por exemplo, divulgou em seu site um programa denominado “escola segura”, que declara ter como objetivo “realizar atividades voltadas à promoção da segurança nas unidades educativas de Educação
Infantil, de Ensino Fundamental e nos Núcleos da Educação de Jovens, Adultos e Idosos”.
Dentre os 12 pontos anunciados para “reforçar a segurança nas escolas” destacamos: “treinamento para casos de violências em todas as escolas”; “botão de emergência nas escolas com alarme sonoro”; “instalação de câmeras”; “projeto de lei para criação de monitor e inspetor escolar”. A ideia de instalar um “botão de emergência com alarme sonoro” nos provoca a pensar os “alarmes” que soam há muito tempo em nossas escolas e em nossa sociedade e que não temos conseguido ouvir.
Vivemos, nos últimos 4 anos, uma intensa e sistemática naturalização de violências (físicas, verbais e econômicas), de intolerância a diferentes grupos (povos indígenas, comunidades quilombolas, comunidade LGBT) e de apologias explícitas às armas. Foram muitos os casos protagonizados ou apoiados pelo ex-presidente da República (Jair Bolsonaro) e seus apoiadores. Muitos. A começar pela campanha de 2017, que teve como um de seus símbolos o gesto de uma arma com as mãos. Quantas crianças reproduziram esse gesto? Quem se importou com isso? Era já um alarme que não ouvimos?
Tivemos, também, legislações que facilitaram a aquisição de armas de fogo pela população, em meio a uma política de contínuo discurso de ódio e busca de eliminação do outro que pensava diferente de mim. Importante destacar que essas ações foram sendo fortalecidas por meio de uma difusão massiva e sistemática de imagens nas redes sociais (com fotos, vídeos e memes), o que potencializou enormemente o papel educativo dessas ideias, desses discursos, desse modo de ver e agir no mundo.
A naturalização da violência que vivemos nesses últimos anos teve e segue tendo um impacto concreto na formação das pessoas, criando referências de modos de “resolver” conflitos, legitimando determinadas ações e comportamentos. Ressalta-se, além disso, o crescimento da precarização das condições de vida da população (em relação à alimentação, moradia, saúde, emprego etc.). Esses fatos compõem parte do “alarme sonoro” que está soando há muito tempo em nossa sociedade. Se queremos ouvir esse alarme, precisamos seriamente discutir essas questões como um problema relevante a ser analisado, debatido e combatido para que as escolas sejam efetivamente seguras para nossas crianças, nossos professores e profissionais da educação, sujeitos que estão diariamente construindo a educação pública em nosso país. É preciso dialogar com as escolas e a comunidade escolar.
Reconhecemos a importância da ação policial no monitoramento de indivíduos ou grupos que se organizam a partir de apologias à violência, investigando esses fatos e atuando de forma preventiva. Mas dentro das escolas, a presença de policiais armados, convivendo com as crianças cotidianamente, parece-nos inadmissível como “solução” para o problema da violência que atravessamos.
Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Santa Catarina
Florianópolis, 14 de Abril de 2023