Os mais inteligentes do mundo: por Amanda Ripley

Recebi o novo livro da jornalista investigativa da revista Time Amanda Ripley “As crianças mais inteligentes do mundo e como elas chagaram lá” traduzido pela Editora Três Estrelas (Grupo Folha de SP) no Brasil e publicado neste mês. O original da jornalista americana é de 2013. Como se vê, alguém já o traduziu, enquanto o excelente livro de Diane Ravitch “Reinado do Erro” aguarda interessados em traduzí-lo.

O release diz: “ impressionada com os resultados medíocres dos Estados Unidos no teste mundial do PISA (…) Ripley decidiu descobrir por que alguns países tinham obtido notas superiores às da nação mais rica do mundo.”

Em um ano, ela pesquisou, então, o sistema de ensino de três novas superpotências da educação – Finlândia, Polônia e Coreia do Sul. A autora não pretende ser conclusiva e apenas descreve seus encontros e observações, mas ao final não resiste e faz algumas recomendações, algumas até úteis. A questão é que não é ciência, é jornalismo investigativo.

Primeiro, o critério para localizar as “crianças mais inteligentes” do mundo é ter se destacado no PISA. Não sei por que devemos acreditar que um jovem que faz “x” em perguntas de um teste, mesmo fazendo o “x” no lugar certo, deva ser considerado o mais inteligente do mundo.

Segundo, testes são imprecisos, medem amostras de desempenho e não devem ser utilizados isoladamente como único critério de decisão. Em especial se queremos encontrar os mais inteligentes do mundo.

Terceiro, a autora não tem familiaridade com delineamentos de estudos comparativos entre nações. Passa por alto a questão cultural.

Enfim, o texto vale como cultura geral que ilustra os sistemas visitados, mas não pode receber status de um trabalho científico. Certamente a autora não pretendeu dar este status ao seu livro, mas é muito provável que outros por aqui, menos avisados, vão querer lhe atribuir tal status.

A questão central com este livro é que ele falha na partida, ou seja, no método de escolha dos alunos mais inteligentes do mundo. A partir daí, todo o esforço adicional fica comprometido, ainda que possa ser uma leitura interessante.

Alfie Kohn vai mais fundo e expõe os pressupostos equivocados usados. Segundo ele são:

“1. A América precisa desesperadamente voltar-se para outros países para encontrar soluções, porque o desempenho dos nossos alunos é “medíocre”.

2. A melhor maneira de julgar o sucesso ou o fracasso escolar é olhar para os resultados dos testes padronizados. Altas pontuações são boas; pontuações baixas são ruins – e ponto final. E altas pontuações são definidas em termos de soma zero: a questão não é chegar a um certo nível, mas ultrapassar os alunos de outros países.

3. O objetivo principal das escolas é transmitir às crianças o “conhecimento e habilidades para competir na economia global.” (Esta declaração, na verdade, é composta por duas premissas: que a educação deve ser entendida principalmente em termos econômicos, e – assim como acontece com os resultados dos testes – o objetivo não é ter sucesso, mas triunfar sobre os outros.)

4. Da mesma forma, do ponto de vista do aluno, a principal razão para aprender é que isso é um pré-requisito para fazer mais dinheiro depois de graduado.

5. Um ingrediente chave do sucesso é a “persistência” – saber “o que [se sente] ao falhar, trabalhar mais e fazer melhor.”

Mas, colocar as crianças em uma “roda de hamster,” com pressão “implacável e excessiva” para ter sucesso a qualquer custo, pode ter custos humanos trágicos – por exemplo, na Coréia do Sul -, mas isso é considerado preferível às pressões que se consideram menos intensamente experimentadas por estudantes americanos.”

Esta é a visão educacional que está se tornando dominante, na medida em que se transfere para a área educacional a visão empresarial.

Juntamente com esta tendência também aparece a ênfase nas “competências socioemocionais”. Não é um fenômeno isolado. Entre o empreendedorismo e o conservadorismo moral, a escola vai tornando-se um espaço para moldar o caráter conservador/liberal, uma espécie de renovação da ética protestante (como explica Alfie Kohn aqui). Estamos assistindo a recuperação da aliança conservadora/liberal, base do neoliberalismo dos anos 90.

O CNE – Conselho Nacional de Educação – discute no Brasil se implanta como parte do currículo a aprendizagem das competências socioemocionais.

O movimento, no entanto, é mais amplo, inclui a própria reelaboração de todo o currículo nacional unificado – como os americanos estão fazendo – e, claro, um novo sistema de avaliação nacional.

O elemento central das políticas dos reformadores empresariais é o controle do processo e sua padronização. A tentativa de planejar as competências socioemocionais inclui a necessidade de aumentar o grau de controle sobre o comportamento dos estudantes – tal como a teoria da responsabilização, o apostilamento, as políticas de bônus, a privatização e outras tentam fazer com o comportamento do professor.

Em jogo está a disputa pelo controle da escola.

Sobre Luiz Carlos de Freitas

Professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - (SP) Brasil.
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7 respostas para Os mais inteligentes do mundo: por Amanda Ripley

  1. Pingback: OS MAIS INTELIGENTES DO MUNDO: POR AMANDA RIPLEY | Grupo de Estudos e Pesquisa em Avaliação e Organização do Trabalho Pedagógico

  2. João Carlos disse:

    Parabéns pela análise do livro, pois a Folha de São Paulo publicou uma matéria sobre o mesmo no Caderno Cotidiano 2, página 2, no dia 25/10/14. Importante, pois por aqui esta produção, como já aconteceu com outras ganha status de científico, coisa que não é, e começa a ser usada nas análises de muita gente tento no setor público quanto privado da educação. São tempos de disputas pela educação no Brasil: interesses pela privatização e currículo nacional.

  3. Tattiana disse:

    Acho importante que a criança aprenda disciplina e o valor do esforço na escola. Também sou a favor que a escola, especialmente no ensino médio, diminua o “gap” que temos entre a sala de aula e o mercado de trabalho.
    Isso não é neoliberalismo na educação. Isso e bom senso. As crianças não são soltas no espaço, elas vivem e de desenvolvem num mundo real, no qual existem frustrações e competitividade.
    Não precisa ter a paranoia da Coreia do Sul, mas é necessário professores mais qualificados que cumpram metas pactuadas anteriormente e alunos que aprendam o valor da disciplina e das boas notas. Escola não pode ser uma redoma!

  4. José A Santos disse:

    A avaliação do trabalho de Ripley é, no mínimo, injusta. Pelo que pude observar, é puro jornalismo, notícia, informação. Como tal, li-o como leio a VEJA, EXAME ou a Folha de São Paulo. Não ando a procura de coerêcia ou ciêcia. Procuro, tão somente, ver o que está acontecendo, informar-me. O problema maior da educação hoje e, olha que sou a educador há mais de 35 anos, é a mente fechada de grande parte dos professores. De péssimas escolas de formação, de se termandado a didática e a pedagogia para os inferna das boas intençoes e um excesso de ideologias, sem fundamento nem conceituações. O resultado é triste. Pode botar todo o dinheiro do mundo nesse buraco sem fim.

  5. Alfredo Pereira dos Santos disse:

    A questão é que pessoas como o Luiz Carlos de Freitas tendem a desqualificar tudo que não esteja alinhado com as suas tendências ideológicas.

    Não há nada errado com o livro da Amanda Ripley. Ela apenas partiu de um fato sabido por todos, que é a queda do ensino nos Estados Unidos e foi em busca de explicações. Essas explicações podem estar nos resultados do PISA. Por que não? Afinal de contas, não deixa de ser um critério.

    As crianças brasileiras vão mal no PISA. Será que o PISA está errado ao indicar que o nosso sistema de ensino é um dos piores do mundo?

    E, por falar nisso, o que a universidade pública brasileira tem feito para resolver esse angustiante problema? Talvez o ex-reitor da UFSC, Nildo Ouriques, estivesse certo quando disse que “a universidade brasileira está de costas para o povo”.

    • O que seria do debate se não houvesse ideologia. Como dizem os meninos: “cada qual na cada qual”. Você tem a sua ideologia – que significa “ter uma visão de mundo”- e eu tenho a minha. E é a partir delas que cada um de nós olha para os fatos. Você pode olhar para todos os “fatos” das inúmeras pesquisas constante neste site e a partir deste seu estudo, ter uma opinião. Não precisa ficar com a minha visão. Mas não deixe a sua cegá-lo para os fatos. Abraço.

  6. Rodrigo Flaire disse:

    Não faz muito sentido desqualificar tanto o PISA, diga-se de passagem o livro não o mostra como um teste “de apenas colocar um x”.
    Concordo com a perspectiva jornalistica e não cientifica, mas foi importante ler o livro e se aproximar de práticas mundiais.
    Não precisamos ter medo das avaliações e muito menos de aceitar que não somos referências.
    Acho que você ficou tão bravo com a folha que descontou no livro e na autora, não precisava!!

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